É um furacão judicial o que está a acontecer ao brasileiro com quem Sousa Cintra mantém há anos uma guerra judicial: a mais recente acusação, no âmbito da 62.ª fase da operação Lava Jato, foi conhecida esta semana. Segundo o Ministério Público brasileiro, Walter Faria, dono do grupo cervejeiro Petropolis, terá praticado 642 crimes de branqueamento de capitais – ilícitos praticados em coautoria com«outras 22 pessoas vinculadas ao grupo Petrópolis, ao Antígua Overseas Bank e ao departamento de Operações Estruturadas do grupo Odebrecht». As autoridades referen ainda que em valores atuais, «o esquema movimentou o equivalente a 1.104.970.401,16 reais [quase 250 milhões de euros], que foram lavados em favor da Odebrecht, entre 2006 e 2014».
Recorde-se que como o SOL já avançou, Walter Faria e Sousa Cintra mantêm há algum tempo uma guerra na Justiça – o português tenta travar uma decisão de um tribunal arbitral do Brasil que o condenou ao pagamento de 25 milhões de dólares por ter desistido de vender duas fábricas da Cerveja Cintra naquele país ao grupo Petropolis.
Mas enquanto a disputa na Justiça não avança, no Brasil Walter Faria tem-se visto a braços com vários casos. Em setembro, o Ministério Público já havia acusado o empresário por um esquema semelhante – Walter Faria é suspeito de ter lavado dinheiro com origem ilícita proveniente da compra de um navio-sonda por parte da Petrobras, valores que mais não eram do que luvas para decisores políticos.
Agora, no despacho de acusação da nova fase da operação Lava Jato, as suspeitas são ainda mais complexas e os montantes alegadamente envolvidos atingem outra dimensão. «Conforme apontam as provas colhidas na investigação, Faria […] atuou em larga escala na lavagem de ativos e desempenhou substancial papel como grande operador do pagamento de propinas [luvas] principalmente relacionadas a desvios de recursos públicos da Petrobras», refere o Ministério Público relativamente às mais recentes suspeitas, adiantando: «Em troca do recebimento de altas somas no exterior e de uma série de negócios jurídicos fraudulentos no Brasil, Faria atuou na geração de recursos em espécie para distribuição a agentes corrompidos no Brasil; na entrega de propina travestida de doação eleitoral no interesse da Odebrecht; e na transferência, no exterior, de valores ilícitos recebidos em suas contas para agentes públicos beneficiados pelo esquema de corrupção na Petrobras».
Segundo a invesigação, foram identificadas 38 offshores na Suíça com contas bancárias no EFG Bank de Lugano, controladas por Faria: «Mais da metade dessas contas permaneciam ativas até setembro de 2018. As investigações prosseguem em relação a essas contas e outros fatos».
Walter Faria estava em prisão preventiva, mas foi libertado na última quarta-feira, dia 11, mediante o pagamento de 40 milhões de reais, no âmbito de um Habeas Corpus.
Esquema sem precedentes, afirma procurador brasileiro
O procurador brasileiro Antonio Diniz explica que o esquema de Walter Faria tinha dimensões fora do normal, mesmo para aquilo que é o universo da Lava Jato: «O volume e sofisticação do esquema de lavagem de dinheiro não tem precedentes, mesmo na Lava Jato. Embora em volume os montantes sejam comparáveis, talvez, aos casos envolvendo os maiores operadores, como Adir Assad e Alberto Youssef, neste caso foram utilizadas várias técnicas de lavagem, dentre as quais se destaca a chamada commingling, que é a mistura de recursos ilícitos à atividade lícita de uma empresa e que deixa ainda mais difícil a descoberta e comprovação dos crimes».
Já o procurador Alexandre Jabur explica que, «em razão do volume de recursos, da gravidade dos crimes e de sua movimentação internacional, é natural o interesse de autoridades estrangeiras para não só colaborar com as investigações mas também, eventualmente, desenvolver seus próprios casos».
Neste esquema participavam pessoas ligadas ao grupo Petropolis que são familiares de Walter Faria, como é o caso da sua prima Vanusa Faria, que é uma dos 23 acusado que tem domicilio na capital portuguesa – na Avenida Marquês de Tomar. Mas não é a única dos acusados que vive em Lisboa. Também José Américo Spínola, advogado ligado ao Grupo Odebrecht, tem residência na Rua Pinheiro Chagas. Américo Spínola colaborou com a Justiça e um dos casos que foi mais noticiado foi a delação que visou o ex-presidente do Perú Alan García – segundo O Globo noticiou este ano o advogado revelou ter pago 100 mil dólares a García a pedido da construtora brasileira Odebrecht. Informação que acabaria por ser fundamental para um inquérito peruano, no âmbito do qual chegou a ser emitida uma ordem de prisão em maio. Mas o antigo político, que negava ter praticado qualquer tipo de crime de corrupção, deu um tiro na cabeça quando a polícia chegou a sua casa para cumprir o mandado. A morte foi imediata.
A guerra de Walter Faria com Sousa Cintra
Quando, em 2006, Sousa Cintra celebrou um contrato de promessa de compra e venda de duas fábricas de cerveja no Brasil com o empresário brasileiro Walter Faria, estava longe de imaginar que 13 anos depois estaria na Justiça portuguesa a dirimir argumentos e a tentar evitar o pagamento de milhões. Nesse contrato ficou estabelecida uma cláusula penal de 25 milhões de dólares como sendo o pagamento devido por danos caso houvesse um incumprimento injustificado de uma das partes.
Sousa Cintra foi quem decidiu não avançar com o negócio na hora da venda, mas, segundo o empresário português tem defendido na Justiça, que tal só aconteceu uma vez que Walter Faria não pretendia comprar as fábricas através de um pagamento normal, mas sim através da apresentação de garantias que o banco credor de Sousa Cintra não aceitava. Ou seja, caso Sousa Cintra aceitasse a venda, mantinha as dívidas uma vez que as garantias que lhe eram dadas por Walter Faria de nada lhe serviriam.
As fábricas acabariam por ser vendidas à AmBev, uma gigante do ramos das bebidas, por 150 milhões de dólares, em 2007.
Não conformado com a atitude do brasileiro, Sousa Cintra avançou para um tribunal arbitral, onde perdeu – não só foi obrigado ao pagamento dos 25 milhões de dólares (15% do valor da compra), como ainda ao pagamento de juros de mora de 1% ao mês. O empresário brasileiro, suspeito de diversos subornos no âmbito da Lava Jato, acabou mais tarde por pedir à Justiça nacional o reconhecimento daquela decisão para que pudesse ser feita uma execução em Portugal.
Ao que o SOL apurou, Sousa Cintra considera que a decisão do tribunal brasileiro não foi imparcial, até porque não teve em conta a alteração da forma de pagamento, nem a proporção da cláusula face aos danos criados.
O SOL entrou em contacto com Sousa Cintra em agosto, quando noticiou o caso, mas o antigo presidente do Sporting não quis prestar qualquer esclarecimento sobre esta matéria.