Impugnação: terreno de batalha eleitoral

Processo de impugnação está a ser um terreno de ensaio para as eleições de 2020. Democratas e republicanos delineiam estratégias eleitorais com enfoque no ‘impeachment’.

A impugnação de Donald Trump teve lugar esta quarta-feira e o julgamento no Senado deve começar no início de janeiro, mas as linhas estratégicas para as eleições de 2020 já estão a ser traçadas tendo em conta o pós-impeachment. Num país altamente polarizado desde a eleição de Trump como Presidente dos Estados Unidos, a impugnação do chefe da Casa Branca está a servir para reforçar os dois lados da barricada, aprofundando a divisão do país.

«Tem sido absolutamente mais unificador do que qualquer outra coisa que tenha visto em anos», disse Dan Eberhart, um mecenas republicano, ao New York Times. «O impeachment é o capítulo 1 para a corrida de 2020. Está a delinear as linhas de batalha e as pessoas estão a realinhar a suas estratégias baseando-se na forma como certos membros votaram».  Como prova disso, o Comité Nacional Republicano e a campanha de Trump afirmaram que recolheram pelo menos cinco milhões de dólares só na quinta-feira e 20,6 milhões de dólares no mês passado, diz o diário norte-americano. Os republicanos afirmam que, desde de setembro, 600 mil voluntários se juntaram às fileiras do partido. 

Ao mesmo jornal, Catalina Lauf, antiga funcionária da administração Trump que irá concorrer à Câmara dos Representantes por um distrito no estado de Illinois, disse que o impeachment incomodou até alguns democratas no seu círculo eleitoral. «Pode-se discordar do homem», afirmou, referindo-se a Trump. «Mas também se sente que o tratamento que ele recebeu desde o dia em que foi eleito é uma pura loucura». 

Os estrategas democratas querem tornar o processo de destituição numa estratégia vencedora para 2020. Trump é o primeiro Presidente dos EUA impugnado pela Câmara dos Representantes a enfrentar eleições. Andrew Johnson – que substituiu Abraham Lincoln depois do seu assassínio – foi posto de lado após o Senado o ter absolvido por um voto, não tendo concorrido a um novo mandato; Richard Nixon, que se demitiu antes de ser destituído, estava no meio do segundo mandato – Gerald Ford, o vice-presidente de Nixon que assumiu o cargo de chefe da Casa Branca, perdeu as eleições para Jimmy Carter; Bill Clinton também se encontrava no segundo mandato quando foi impugnado pela Câmara dos Representantes – e o seu seu vice-presidente, Al Gore, perdeu as eleições contra George W. Bush no Colégio Eleitoral, à semelhança de Hillary Clinton nas eleições de 2016.

Um padrão que Trump quererá contrariar, mas que os democratas querem utilizar em sua vantagem, aproveitando os danos sofridos pelo chefe da Casa Branca durante o processo de impeachment – já que não será removido do cargo, dado que o Senado é dominado pelo Partido Republicano. Ao focar a sua estratégia eleitoral nos abusos de poder cometidos por Trump, e representando-o como um fantoche de Vladimir Putin, por exemplo, os democratas acreditam que podem vender a ideia ao eleitorado de que o perigo representado pela coduta do Presidente é uma ameaça séria à segurança nacional . 

Um dos primeiros sinais da afinação desta estratégia ocorreu logo na quinta-feira, um dia depois do voto de impugnação. Quando se pensava que os democratas queriam avançar com o processo de destituição para o Senado o mais rápido possível, a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, ameaçou adiar a entrega dos artigos de impeachment à câmara alta enquanto não assegurasse que o julgamento decorrerá de forma justa, mostrando estar disposta a arrastar o processo.

«A estratégia democrata tem riscos consideráveis», escreve Michael Hirsh, editor da revista Foreign Policy. A grande maioria das sondagens tem mostrado Trump consistentemente abaixo dos 50% da taxa de aprovação, tal como uma nação simetricamente dividida em relação ao impeachment. Mas no dia 16 de dezembro, uma sondagem da USA TODAY e da Suffolk University mostrou Trump melhor posicionado em relação aos candidatos democratas favoritos a enfrentá-lo nas eleições de 2020. É a primeira vez que Trump aparece ao mesmo tempo à frente de Joe Biden ( 3% de vantagem), Bernie Sanders (5%) e de Elizabeth Warren (8%).

E a máquina republicana já se apercebeu que pode capitalizar eleitoralmente com o processo de destituição. «Os republicanos já estão a planear campanhas publicitárias que fazem uso do voto do impeachment», diz Hirsh. «Os republicanos vão argumentar que o voto do impeachment apenas prova que o Partido Democrata foi ‘sequestrado pela esquerda radical’».

Aliás, sinal de que os republicanos vão virar as atenções para o processo de destituição, na campanha de 2020, vem mesmo do Presidente dos EUA, que afirmou por duas vezes esta semana que não sente que está a ser impugnado, pondo-se acima de todo o processo. «Um suicídio político», rematou num comício em Michigan referindo-se aos democratas, enquanto decorria a votação para o impeachment.

Os esforços democratas para virarem a opinião pública a seu favor durante o processo de impugnação não estão a dar os frutos de que gostariam – não houve uma subida nas sondagens a favor do impeachment de Trump além do resultado das eleições anteriores. E a impugnação do chefe da Casa Branca deixou um sabor amargo a alguns. «Há algo pouco satisfatório sobre o impeachment de Donald Trump. Muitos de nós que o detestamos, gostaríamos de vê-lo afastado do cargo. No entanto, à medida que os democratas avançam sob a acusação de obstrução e de abuso de poder, não parece estar a ser o justo triunfo que deveria», escreveu Nathan Robinson, editor do Guardian, acrescentando: «Pode ver-se a impugnação como um sintoma do falhanço contínuo do Partido Democrata em articular uma agenda substantiva».

«Também se sente que este carnaval criado pelo impeachment pode ser exatamente o tipo de coisa que Trump deseja. Ele sabe que não vai ser realmente removido do cargo», continua Robinson. «Agora tem a oportunidade de representar-se como a vítima perseguida, e acusar os democratas de serem ‘uns perdedores’ que se recusam a aceitar a sua legitimidade e usam meios dissimulados para o remover do cargo». 

O terreno de ensaio eleitoral foi o próprio debate sobre a impugnação de Trump, onde os republicanos vociferaram constantemente que os democratas estavam a ir contra os 63 milhões de eleitores que elegeram o Presidente – Hillary Clinton obteve 65 milhões de votos -, representando-o como um mártir e a voz do povo norte-americano. O auge do enredo montado pelos republicanos para martirizar Trump, ou um dos, terá sido quando o congressista republicano Barry Loudermilk, da Geórgia, comparou o Presidente a Jesus Cristo. «Quando Jesus foi falsamente acusado de traição, Pôncio Pilatos deu a Jesus a oportunidade de enfrentar os seus acusadores», realçou Loudermilk. «Durante esse julgamento vergonhoso, Pôncio Pilatos atribuiu mais direitos a Jesus do que os democratas atribuíram ao Presidente neste processo».

A estratégia eleitoral democrata, explica o editor da Foreign Policy, é influenciada pelo que aconteceu a Bill Clinton depois do impeachment, em 1998. Embora as suas taxas de popularidade tenham crescido nos meses posteriores à sua impugnação, tanto Al Gore como Hillary Clinton (neste caso, em duas situações) acabaram por sofrer os danos imputados pelo processo de destituição, argumenta Hirsh. Agora os democratas esperam que isso se aplique a Trump nas eleições de 2020, que estão aí à porta.