Primeiro foi o Daniel, depois a Elsa e, por fim, o Fabien. Na última metade do mês foram três as depressões a assolar Portugal, a deixar diversas áreas submersas, mas, sobretudo, a expor de forma inequívoca os problemas que o país apresenta no que toca à gestão dos recursos hídricos, à manutenção das infraestruturas e às construções em leito de cheia. O Governo e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) dizem que é o país que tem de se adaptar, uma vez que a artificialização tem limites.
Mondego, Tâmega, Tejo, Douro e Zêzere galgaram as margens e deixaram cenários de grande destruição. Mas isso fará com que Portugal mude a sua estratégia nos próximos tempos e opte por um sistema como o que se verifica em outros países, como Espanha, em que há mais represas, transvazes e barragens? A resposta é clara: não. Ao SOL, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática garantiu mesmo que essa hipótese «não está em cima da mesa».
A tutela lembrou ainda que foi publicada a 5 de setembro, a Lei da Assembleia da República nº 99/2019, que consagra a revisão do Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território (PNPOT). Um programa que «define a estratégia para a organização e desenvolvimento territorial, alicerçada numa visão de longo prazo». Além deste, existem os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), sublinha a mesma fonte.
Também a Agência Portuguesa do Ambiente afirmou ontem ao SOL que os transvazes nem se poderiam colocar em casos como o do rio Mondego: «No caso do Mondego não se afigura viável, dado que implicariam enormes investimentos e mesmo assim, com capacidade muito limitada. De qualquer modo não teria qualquer utilidade no que se refere ao controlo de cheias».
Agora que as depressões foram embora, é hora de deitar mãos à obra e fazer balanços. A deslocalização de casas, hipótese levantada pelo ministro do Ambiente, é algo que a APA também não exclui de todo, nomeadamente as que foram construídas em leito de cheia: «No âmbito dos novos Planos de Gestão de Riscos de Inundação, serão identificadas as áreas potencialmente mais afetadas por cheias e inundações e avaliados os riscos associados, assim como as medidas e ações necessárias para minimizar os seus efeitos. Estas medidas, a avaliar caso a caso, poderão incluir a regularização fluvial, alterações ao uso e ocupação de leitos de cheia, a implementação de medidas de adaptação às alterações climáticas e uma gestão mais integrada e holística das bacias hidrográficas».
Recorde-se que a situação das cheias em Montemor-o-Velho levou o ministro do Ambiente a levantar a hipótese de uma deslocalização das aldeias afetadas, tendo ontem reforçado que é preciso haver uma adaptação do país e não insistir apenas na artificialização: «Falar da adaptação do território às alterações climáticas é exatamente o oposto da artificialização, eu diria mesmo que o projeto do Baixo Mondego, projeto da década de 70 e 80, era hoje um projeto impensável de ser feito porque hoje a perspetiva de gestão dos rios é completamente diferente. Vamos fazer tudo, isso sim, para que esse caudal não venha mais a ser atingido, sabendo que o absoluto não existe».
O governante acrescentou que não se conseguirá nunca garantir que aquele leito de rio artificializado tenha a capacidade para escoar um caudal superior a 2.000 metros cúbicos por segundo: «Este ano quase conseguimos chegar aos 2.200 metros cúbicos por segundo porque foram investidos oito milhões de euros na manutenção. Mas este é um valor que nós não conseguimos ultrapassar, e não devemos sequer ultrapassar».
Quanto ao caso do rio Mondego, a APA adiantou ontem ao SOL que, perante um caudal como o registado, seria expectável o galgamento do rio, esclarecendo que tudo ficou mais dificultado com o «elevado arrastamento e transporte de material lenhoso e que resultaram na rotura do dique da margem direita do leito central na zona de Santo Varão e posterior efeito inevitável de rotura do dique da margem esquerda do leito periférico». A agência rejeitou ainda que o sucedido tivesse qualquer relação com a falta de manutenção.
Para Carla Graça, da Zero, é «uma visão muito urbana» a que defende a construção de mais barragens e a retenção de mais água dos rios: «Nessa visão pensa-se que os recursos hídricos são canais. Não são, são sistemas vivos, é necessário que a água vá para o mar, que arraste sedimentos para o mar, aliás, temos problemas de falta de sedimentos na orla costeira exatamente porque temos demasiadas barragens, que fazem retenção desses sedimentos. O que precisamos é de um planeamento integrado». Carla Graça insiste na necessidade de aproveitar as águas recicladas, de promover a recarga de águas subterrâneas e de perceber quais as barragens obsoletas – um levantamento que diz estar já a ser feito pela APA. Quanto a países como Espanha, garante, não devem ser tidos como um exemplo no que toca à gestão de recursos hídricos: «Espanha faz é um melhor açambarcamento de água», diz, lembrando as diretrizes rigorosas das Nações Unidas para os transvazes.
Obras de reparação no Mondego começaram esta sexta
Começaram ontem as obras de reparação do dique que colapsou em Montemor-o-Velho, mas em causa estão apenas obras provisórias – vários camiões contratados pela APA descarregaram terra e pedras, que depois foram transportadas por retroescavadoras com o objetivo de formar um a barreira provisória, na zona de Santo Varão, Montemor-o-Velho, minimizando as hipóteses de que uma próxima subida das águas possa trazer novas inundações.
Ontem, Armando Afonso, da Ordem dos Engenheiros, também fez saber que o colapso do dique se deveu a diversos fatores, nomeadamente ao facto de as obras no Mondego não estarem concluídas: «É uma obra que não está concluída em termos de infraestruturas físicas, faltam alguns componentes de regularização do Mondego […] falta por exemplo controlar o rio Ceira e falta a barragem de Girabolhos».
APA diz ser preciso sistema a prazo para gestão da costa
Já quanto às zonas costeiras, a APA refere que, conforme preconizado no Plano de Ação Litoral XXI, «a gestão integrada e pró-ativa da zona costeira, para um horizonte que vai além de 2020, dá prioridade às intervenções estruturais com impacte nos ciclos e sistemas naturais, com foco na reposição sedimentar e nas soluções de adaptação mais ajustadas para a manutenção da nossa linha de costa e a salvaguarda de pessoas e bens».
A agência afirma ainda que é necessário «um sistema global de monitorização e a disponibilização de informação de apoio à decisão, não só em situações de emergência, como a médio e longo prazo».