Jorge Rey Colaço, o rei da pintura sobre azulejo

Foi elogiado pelo Rei D. Carlos e atingiu um sucesso considerável em vida. Assinou painéis de azulejo icónicos, como os da estação de S. Bento, no Porto, ou da Casa do Alentejo, em Lisboa. Nos 150 anos do nascimento de Jorge Colaço, o Museu Nacional do Azulejo dedica-lhe uma exposição que ajuda a fazer justiça…

Artista reconhecido e muito apreciado na sua época, choviam-lhe encomendas de todo o país – e até do Brasil. O sucesso chegara logo em 1904, quando o Rei D. Carlos visitou uma exposição sua na sociedade de Belas-Artes. O ministro das Obras Públicas de então, o conde de Paçô-Vieira, que acompanhava o monarca, registou a ocasião, referindo os "lindos painéis de azulejos, que logo à entrada deram na vista, e de que El-Rei, pintor de altíssimo merecimento, gostou muito".

Aproveitando a oportunidade, o autor dos painéis, Jorge Colaço, foi falar com o ministro. "Imediatamente há uma série de encomendas públicas importantes às quais Colaço vai estar ligado, nomeadamente a estação de S. Bento, no Porto, e o Palácio do Buçaco", refere João Pedro Monteiro, comissário da exposição Jorge Colaço e a Pintura Figurativa do seu Tempo, patente até 28 de junho de 2020 no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa.

Colaço manteve-se extraordinariamente produtivo até à sua morte em 1942. Mas, desse ano em diante, o seu nome foi aos poucos e poucos desaparecendo do espaço público e caindo no esquecimento geral, até se tornar quase desconhecido.

"Quantas pessoas que passam hoje na estação de S. Bento sabem que foi o Jorge Colaço que pintou aqueles azulejos? Quantas sabem quem foi o Jorge Colaço? Mesmo entre os historiadores da arte acabou por tornar-se um tanto esquecido", nota João Pedro Monteiro. "Mas as efemérides também servem para isto". E as iniciativas em torno dos 150 anos do nascimento do pintor, como a exposição do Museu do Azulejo, têm justamente o intuito de resgatar Colaço do anonimato e de devolvê-lo ao grande público.

 

Talento precoce

Jorge Rey Colaço nasceu a 26 de fevereiro de 1862 em Tânger, onde a sua família, natural de Faro, se encontrava radicada desde o século XVIII. O pai, que tinha o título de barão de Colaço e Macnamara, "era ministro de Portugal em Marrocos, o que equivalia a cônsul-geral", explica João Pedro Monteiro.

Ainda em criança, Jorge Colaço "veio para Portugal fazer a escola e muito cedo vai estudar pintura para Madrid e para Paris". Como prova do seu talento precoce, a exposição exibe uma expressiva aguarela com cavalos, soldados e tendas que fez com apenas cinco anos. E ao lado desta relíquia encontra-se uma pequena pintura, datada de entre 1880 e 1885, em cujo verso se pode ler: "A primeira pintura a óleo que o Jorge fez".

Seguiu-se uma formação clássica como pintor. Com 18 anos Colaço instalou-se em Paris, estudando sob a orientação de Fernand Cormon, que aliás teve a seu cargo outros estudantes de pintura portugueses. Ainda na capital francesa trabalhou como caricaturista para o Le Figaro. Uma veia que seguiria no regresso a Portugal, onde dirigiu a secção humorística d’O Século.

"Cerca de 1903 conheceu o James Gillman, que era um dos sócios da fábrica de Sacavém, uma das mais importantes fábricas de azulejo da altura", conta o comissário. "Viriam a ter relações familiares, porque o Jorge Colaço casou com a Branca de Gonta Colaço, cuja irmã casou com o filho de James Gillman. Esse grau de parentesco aproximou-o da fábrica de Sacavém, e ele, como gostava muito de azulejo, acabou por ir trabalhar para lá".

 

‘Tudo isto é tradicional e tudo isto é moderno’

A grande maioria das obras exibidas na exposição são painéis de azulejo azul e branco. O que decorre, explica João Pedro Monteiro, de uma ideia errada que acabou por fazer escola – e ainda faz. "A tradição do azulejo em Portugal é identificada com a pintura a azul sobre branco, embora essa corresponda a um período muito curto, mais ou menos entre 1690 e 1750. A maior parte da produção de Colaço é também a azul sobre branco, muitas vezes citando a grande azulejaria barroca, sobretudo nas cercaduras".

Quanto aos temas, são dos mais variados, mas a História de Portugal tem a primazia, o que Monteiro acaba por considerar natural "numa geração que viveu o ultimato de Inglaterra de 1890 e quer reavivar todos os grandes momentos" da nação. Para o efeito, Colaço – como outros – foi beber inspiração "às fontes literárias, como Os Lusíadas, obviamente, ao Alexandre Herculano, ao Fernão Lopes".

"Desta produção muito típica de temas inspirados na História e na Idade Média, aqui na exposição só temos aquele painel do Museu de Lisboa, o que é uma boa notícia porque significa que a maioria deles estão nos locais", refere o comissário.

Além dos azulejos propriamente ditos, a exposição inclui também desenhos preparatórios e documentos provenientes do espólio adquirido à família em 2001. Entre estes, destaca-se uma carta do artista a Duarte Pacheco, "então ministro das Obras Públicas, em que ele defende a ideia de que nos castelos que iam ser restaurados devia haver sempre painéis de azulejo – obviamente para os quais ele se propunha trabalhar…". A primeira das razões apontadas é o azulejo "ser a arte portuguesa mais tradicional, e portanto mais própria para a reprodução de assuntos nacionais".

A par da História, a obra de Colaço representa também "aspetos da vida e do trabalho local, geralmente na pesca, na agricultura, e também monumentos importantes da região". Nalguns casos, pode mesmo falar-se de "promoção turística", no entender do comissário. "Estas ideias estão a surgir, a afirmar-se e os artistas estão a absorvê-las mas olhando para o passado".

E em que modelos se inspirou Colaço para criar as suas obras? "Do ponto de vista histórico, a principal fonte iconográfica para o azulejo é a gravura, havia uma série de gravuras europeias que se usava como modelo. Nesta época, a gravura é substituída pela fotografia, fotografias que circulavam em revistas como a Ilustração Portuguesa, ou mesmo avulso, e que serviam de base ao trabalho dos pintores".

Já em relação à técnica, Colaço inovou face ao processo tradicional. "Ele fazia uma primeira pintura e depois uma segunda pintura já no vidrado. O problema do azulejo é que absorve de imediato a tinta, o que torna a pintura muito difícil. Esta técnica garantia-lhe uma liberdade e uma facilidade de movimentos que os outros não tinham", esclarece o comissário.

Tudo somado, Monteiro não tem dúvidas:"No fundo, tudo isto é tradicional e tudo isto é moderno".

 

A ponta do icebergue

Mas o que está à vista no Museu do Azulejo (e a exposição inclui um núcleo no primeiro piso sobre os contemporâneos de Colaço que faziam azulejo figurativo) é apenas uma pequena amostra, a ponta do icebergue. "75% da obra de Colaço resulta de encomendas públicas", esclarece João Pedro Monteiro. "Estão em espaços públicos: mercados, estações, hotéis. E depois há as encomendas para residências particulares, sendo que a temática é semelhante, anda à volta disto, dos temas da História de Portugal, inspirados nas fontes literárias e aspetos mais relacionados com a vida e o trabalho do povo – trabalho no campo, no mar".

Embora o nome de Jorge Colaço tenha caído no esquecimento durante décadas, a sua obra esteve sempre bem presente e à vista de todos. "A investigadora Cláudia Emanuel já inventariou para cima de mil painéis de Jorge Colaço em 133 locais diferentes, só em Portugal. Depois há no Brasil e noutras antigas colónias", diz o comissário.

Entre os pontos altos da obra de Colaço surgem verdadeiros ícones da arquitetura nacional do século XX, como o Pavilhão Carlos Lopes, "que começou por ser o pavilhão de Portugal no Brasil, 1922, foi desmontado e montado aqui com os respetivos azulejos"; a Casa do Alentejo, em Lisboa; o Palácio da Justiça, em Coimbra; o Palace Hotel do Buçaco; e muitas estações e apeadeiros, das quais a mais emblemática é sem dúvida a de S. Bento no Porto.

Por isso, não será exagero dizer-se que uma visita ao Museu do Azulejo pode ser apenas o início da descoberta de uma figura central da arte portuguesa do século passado. Depois é partir à procura por esse país fora.