O primeiro-ministro António Costa – que sobressai dos outros políticos da sua geração por razões que, aos meus olhos, têm muito mais a ver com aquilo a que chamo ‘defeitos de carácter’ do que com qualidades humanas –, decidiu este ano fazer a sua mediática ‘mensagem de Natal’ seguindo uma receita que teria a aprovação unânime dos peritos em propaganda enganosa: centrou todo o seu discurso num único tema, escolhido por incluir os escândalos mais impopulares e sistemáticos ocorridos nos dois últimos anos da sua governação – a falta de qualidade e de confiança no Serviço Nacional de Saúde (SNS), de que o regime tanto se orgulha. E, com a sua lendária habilidade política, procurou ‘endrominar’ os numerosos telespectadores com toda a espécie de promessas futuras aplicáveis ao sector: mais umas centenas de milhões de euros, mais uns milhares de ‘profissionais de saúde’, muitos mais equipamentos novos, mais esforço e dedicação…
Mas, sendo consensual que havia fortes e graves razões para o primeiro-ministro dedicar parte importante da sua ‘mensagem de Natal’ à necessidade de melhorar, e muito, o funcionamento do SNS, porquê, então, dizer que ele «procurou endrominar os telespectadores com toda a espécie de promessas futuras aplicáveis ao sector»? Porque, como muito lucidamente escreveu, ainda este mês, António Barreto (que, ao contrário deste PM, é uma das figuras públicas portuguesas mais dignas de confiança, discretas e bem-preparadas), «António Costa não faz a mínima ideia para onde quer levar o seu país. Sabe que quer aguentar mais quatro anos, a fim de… ganhar mais quatro! Também sabe que gostaria que Portugal conseguisse chegar a todos os lugares comuns: mais saúde, mais educação, mais pensões, mais igualdade, mais cultura e mais sossego! Belo programa! Nada se passa, e tudo deve continuar. Eternamente.»
(…) O miserável estado em que se encontram os serviços públicos – especialmente o SNS, o Fisco, os Estrangeiros e a Segurança Social –, permanece quase oculto. (…) Alguns dos protagonistas e muitos dos principais dirigentes políticos actuais – no Governo, no partido e em muitas instituições públicas –, já o eram com José Sócrates. Não é fácil esquecer esses tempos. (…) A única maneira de manter a impunidade de quem serviu Sócrates e agora serve Costa, de quem se serviu e agora pretende que tal não se veja, consiste em condicionar a liberdade de expressão. Pena é que haja tanta gente disponível para esta ingrata missão.» (*)
Não bastou a Costa contratar uma nova ministra da Saúde, cujas declarações são chorrilhos de frases ocas com sentido meramente propagandístico, mas que, pelos vistos, não é capaz de melhorar em nada o funcionamento e a qualidade do SNS, muito pelo contrário. Também não lhe bastou ser incapaz, ele próprio, de decidir se era mais importante acabar os primeiros quatro anos de governação com um resultado financeiro favorável à eventual carreira internacional de Centeno, em alternativa a um SNS falido e globalmente disfuncional.
Por que raio é que nós, portugueses comuns, haveríamos agora de acreditar que os políticos que se revelaram incapazes de organizar e solucionar razoavelmente bem os principais problemas do país nos últimos quatro anos vão resolver bem esses mesmos problemas nos próximos quatro anos, só porque um tipo que se julga habilidoso o prometeu mais uma vez?!
(*) António Barreto, “O nada e o infinito”, in Público, 01.12.2019