"Não fala de si e tem horror a que se fale dela". Assim descrevia Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo Silva uma amiga de «muitos anos» à revista Sábado em 2007 para um dos raros perfis que lhe foram dedicados. «Ela é assim mesmo não revela muito da sua vida. Pode parecer distante ou arrogante, mas não é nada disso». Por esse estilo de vida discreto que fez sempre questão de manter era conhecida a matriarca da família Espírito Santo, viúva de Manuel Ricardo Espírito Santo desde o início da década de 1990.
Não se deixava fotografar nem deu alguma vez uma entrevista. Isto apesar de ter sido em tempos a mulher mais rica do país. Tempos não tão distantes assim. Era o ano de 2010, ainda o Banco Espírito Santo não tinha caído, a família estava nas boas-graças da opinião pública. E era esta mulher, cuja fortuna ascendia por essa altura aos 510 milhões de euros, a matriarca de uma das famílias mais poderosas do país.
Segundo a mesma revista, escolhia mesmo os assentos das últimas filas nas assembleias gerais do Grupo Espírito Santo, do qual era a acionista maioritária. Além das participações financeiras no GES e no BES, detinha também a totalidade das ações da Santogal, um dos maiores grupos automóveis em Portugal, que resultou da fusão da Mocar, importadora de Alfa Romeo e da Peugeot para Portugal fundada em 1946, e da Santomar, representante da Honda desde 1967. Em 2007, a revista Exame avaliava o seu património em 768,1 milhões de euros – a sétima maior em Portugal. Uma fortuna conquistada por via da herança. Atualmente, a Santogal representa ainda a Audi, a BMW, a Mercedes e a Volkswagen, num total de 24 marcas.
Nascida em 1933, era a única filha de Fernando Moniz Galvão, fundador das empresas de retalho automóvel Mocar e Santomar e além disso acionista do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL) até à sua nacionalização, em 1975. Por essa altura, era já casada com Manuel Ricardo Espírito Santo, seu primo em segundo grau, com quem teve dois filhos –Manuel Fernando e Fernando Manuel – e duas filhas – Mafalda e Madalena – que se mantiveram sempre afastadas dos negócios da família.
Era o seu marido o presidente do BESCL à data da sua nacionalização, depois do 25 de Abril. Ocupara o lugar não muito tempo antes, em 1973, aos 40 anos. Foi dois dias depois da morte do seu pai que Maria do Carmo viu o seu marido ir preso, juntamente com António Ricciardi e José Roquette, num episódio reconstituído pela mesma revista: «No dia 11 de março de 1975, Manuel Ricardo regressava ao banco depois do almoço quando o porteiro o avisou: aguardavam-no na sala de administração, com ordens para o levar. O funcionário sugeriu-lhe que fugisse enquanto havia tempo. Mas Manuel Ricardo não recuou. ‘O meu lugar é ao pé dos meus colegas de administração’», disse.
Com os filhos, Maria do Carmo mudou-se então para Londres. Manuel Ricardo juntar-se-ia a eles em agosto de 1975, assim que foi libertado de Caxias. Com as contas congeladas em Lisboa e o banco nacionalizado, a família foi refazendo os seus negócios no estrangeiro até ao regresso a Portugal, com as reprivatizações da banca e a criação, por Manuel Ricardo Espírito Santo e os outros banqueiros da família, do Grupo Espírito Santo.
Depois da morte de Manuel Ricardo Espírito Santo, foi ela quem o substituiu no Conselho Superior da família Espírito Santo como líder dos Moniz Galvão Espírito Santo, um dos ramos da família que detinha o Grupo Espírito Santo. Mas nos últimos anos era o seu filho, Manuel Fernando Espírito Santo, antigo presidente da Rioforte, a representar a família nas reuniões.
Descrita como «misteriosa», era tratada, também segundo a Sábado, como ‘Ninita’ entre familiares e os amigos mais chegados, entre os quais se contavam milionários e membros de casas reais. «Mas ela evita a todo o custo uma vida social ativa», lê-se no mesmo perfil. «A exceção são as idas ao teatro e ao cinema, que aprecia bastante, e o convívio com a família, a cujos encontros, festas de casamento ou de aniversário faz questão de comparecer. Mesmo nesse ambiente mais informal, é pouco exuberante».
De Maria do Carmo Moniz Galvão conhecia-se ainda a paixão pelas viagens, o colecionismo de antiguidades e ainda pelos automóveis, essa herdada do pai. Gostava de conduzir, sobretudo quando ao volante de carros desportivos. Fascinavam-na sobretudo os Alfa Romeo – marca que desde a década de 1940 a Mocar (anagrama de Carmo) importava em regime de exclusividade para Portugal.
Desde a morte do marido que, segundo o site Eco, dividia o seu tempo entre o Estoril e Lausanne, onde mantinha a sua residência principal. No final de 2019 viu-se obrigada a regressar da Suíça a Portugal por motivos de saúde. E a Lausanne não voltaria a regressar. Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo Silva morreu na passada quinta-feira, 2 de janeiro, aos 86 anos.