As imagens correram mundo. Mal agarrou na mão esticada, puxou-a para si com força, dando-lhe um valente safanão. Atendendo à idade, podia ter facilmente provocado uma deslocação ou luxação na mão, no pulso, no antebraço, no cotovelo, no bíceps, no ombro ou até nas costas, tamanha a violência daquele inesperado movimento.
O anfitrião, surpreendido e desequilibrado, agarrou-se com a mão esquerda ao braço direito do seu visitante, que parecia não querer pôr fim ao exagerado e televisionado cumprimento.
A verdade é que os elogios fizeram-se ouvir um pouco por todo o mundo e, em especial, nos Estados Unidos. Afinal, alguém ousava fazer ao homem o que o homem tanto gosta de fazer aos outros.
«Marcelo antecipou-se a Trump no aperto de mão» foi apenas mais um dos títulos laudatórios da atitude do Presidente português quando recebido pela primeira vez na Casa Branca pelo seu homólogo americano.
Os próprios media americanos fizeram eco do acontecimento, desconhecendo eles que o Presidente português, em matéria de partidas e patifarias protocolares, não fica a dever a ninguém… nem sequer a Trump.
Se Trump não é santo em coisa alguma, Marcelo não é menos pecador.
Mas acontece que, no último dia do ano findo, a vítima de semelhante puxão pela mão dada a uma devota asiática foi o Papa Francisco.
Mais uma vez, as imagens correram mundo. Sobretudo porque, surpreendido pela violência do agarrão, Francisco reagiu quase por impulso com duas palmadas bem assentes no braço da peregrina que só à segunda o largou.
O rosto do Santo Padre naqueles instantes seguintes é revelador, mais do que de incómodo, de autêntica e indisfarçável fúria. Nada santo, antes pecador.
Se caso idêntico tem calhado acontecer em Lisboa, e envolvesse um qualquer representante da Igreja, o Carmo e a Trindade já eram.
Como foi no Vaticano e com este Papa…
E até Francisco apressou o pedido de desculpa «pelo mau exemplo» e por ter ‘perdido a paciência’ e, no dia seguinte, dedicou a primeira homilia do ano ao respeito pela dignidade das mulheres e à condenação de toda a espécie de violência contra elas praticada.
«Toda a violência infligida às mulheres é profanação de Deus, nascido de uma mulher. A salvação chegou à humanidade a partir do corpo de uma mulher: pelo modo como tratamos o corpo da mulher, vê-se o nosso nível de humanidade», disse Francisco na primeira missa do ano na Basílica de S. Pedro, em Roma.
Pois é.
O Papa, afinal, também é humano. E também tem reações instintivas, impensadas e censuráveis.
Porque não há Santos na Terra.
Nem conheço alguém que persiga o sonho – será mesmo um sonho? – de querer ser Santo. Só há pecadores.
Desta vez foi o Papa.
Ai se tivesse sido Trump a reagir assim com Marcelo.
Ou Plácido Domingo com uma fã qualquer.
Foi Francisco. Se tivesse sido o seu antecessor, o alemão Ratzinger…
Uns podem, outros não.
Nos dias que correm, os atos são mais ou menos censuráveis dependendo da popularidade ou simpatia que merece quem os pratica. Ou, simplesmente, de quem é politicamente correto e faz parte duma certa trupe (vá lá saber-se porquê) dominante ou é por esta benquisto.
Sendo que, no final, o ato mais condenável, pecado mortal ou injustiça maior, está afinal em quem, quiçá mesmo julgando-se santo, ousa ser e julgar assim.
Uma cambada! Essa, sim, merecia umas boas e santas palmadas.