«As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem».
Chico Buarque
São dois os tempos do ano em que projetamos fazer várias alterações nas nossas vidas. O primeiro tempo é a seguir às férias; o segundo é o tempo do início de cada novo ano.
Nestes dois tempos projetamos normalmente muito e executamos pouco. E, muitas vezes, o pouco que executamos é derivado de acontecimentos e circunstâncias exteriores às nossas vidas.
O tempo que vem a seguir às férias é o mais difícil de acomodar alterações, sobretudo por ser o tempo final do ano em curso. Um tempo em que nos sentimos fora das rotinas, após um tempo de férias em que tudo parece ter parado, adiado e até percepcionado como dispensável.
O tempo do início de cada ano é o tempo em que a transição quase não se nota e sente, a não ser pela pressão e pelo folclore mediático de que estamos num novo ano – que nos deve levar à ‘clássica’ vida nova.
Se existem tempos condicionados pela força pessoal e interior que nos faz sentir, a quase todos, conservadores, são estes dois: o do pós-férias e o do início de cada ano. Uns mais do que outros, inevitavelmente, vamos projetando e planeando, ano após ano, acertos e mudanças nas nossas vidas. Mesmo quando tudo é feito com rigor e com base em critérios exigentes, com diagnósticos corajosos e duros, a falta de coragem e o medo da mudança criam em nós múltiplas resistências.
Faz parte da condição humana. É próprio de uma sociedade contemporânea em que vários tipos de dependências (umas mais visíveis e sentidas, outras nem tanto… mas que estão sempre bem presentes no dia a dia, mesmo sem o percebermos…) não nos deixam fazer as coisas à ‘nossa maneira’. Repito: ‘à nossa maneira’. Sobretudo se já não vamos para novos e olhamos para trás e para o lado e confirmamos que muito daquilo que fizemos positivamente – e de quem connosco tem vivido – foi derivado de fazermos as coisas à ‘nossa maneira’.
Condicionados e espartilhados profissionalmente, mediaticamente, socialmente, publicamente, familiarmente e pessoalmente, somos muitas vezes bloqueados – e, em muitos momentos, despojados – de muitas das nossas competências, experiências, forças e coragem. Somos atores num filme da vida em que, muitas vezes, temos de representar papéis que não retiram o melhor de nós próprios. Ora, é no início do tempo de ano novo que devemos pensar solidamente nisto tudo, para não chocarmos de frente com o que projetamos e que não executamos.
Se cada um de nós fizer os acertos de vida mais adequados, estou convencido de que estaremos a contribuir para sermos mais felizes e, consequentemente, doadores diretos de mais e melhor vida para a sociedade, o país e o mundo em que nos inserimos.
São várias as alteraçõeS e os aperfeiçoamentos que, no meu caso, gostaria de executar neste ano novo de 2020.
Sem quebrar a regra da reserva de vida da máxima intimidade (até porque faço parte da minoria que não usa as redes sociais para dizer o que come, bebe, veste, sente, pensa e quando vai à casa de banho fazer xixi e outras coisas), neste ano novo vou tentar:
1- Afastar-me de vez de todas as pessoas, sejam elas quem forem, que só me usam para o que lhes é conveniente;
2- Dar o tempo de qualidade devido aos meus três filhos e à cada vez mais curta família que ainda vou tendo, depois de tantos anos de dedicação à coisa pública;
3- Concretizar todos os meus projetos profissionais solidamente, sem deixar de aprofundar em simultâneo os meus trabalhos académicos e de investigação, quer na área do Direito, quer nas áreas das migrações, da CPLP e da lusofonia;
4- Profissionalmente, iniciar um caminho numa nova área que reputo de relevante para um país e um povo como Portugal e como português;
5- Ter coragem para cuidar da minha saúde, em razão da vida que vivi nas últimas décadas e considerando o histórico familiar neste particular.
Quanto a tudo o maiS, vivendo em simultâneo com mais de sete mil milhões de pessoas no mundo, espero que 2020 seja um ano em que para lá do que todas as ‘instituições’ públicas e ‘não públicas’ pedem e desejam (combate à fome, à miséria, ao terrorismo, às alterações climáticas, blá, blá…), que seja o ano em que as sociedades contemporâneas inclusivas e plurais valorizem mais as ciências humanas e sociais, que não vivam obcecadas pela ortodoxia dos números, que olhem em frente para o ‘cancro’ que é a fadiga informativa e o sectarismo mediático a pretexto da integridade e da transparência, que recuperem a importância dos direitos, liberdades e garantias, e que se façam planos nacionais, por exemplo, a favor do silêncio.
Os que lerem isto devem pensar: ‘Ele não está bem da cabeça…’ É que faço parte das pessoas que consideram que as nossas sociedades não precisam apenas de dinheiro, fiscalização, solidariedade. Precisam também de silêncio. O silêncio perdeu a sua guerra para o ruído e a seguir têm vindo outros males. Mas isso fica para outra oportunidade. Lá está um tema também pouco ou nada politicamente correto. Sobretudo nos media cultores da fadiga e ruído informativos.
olharaocentro@sol.pt