João Almeida: ‘Cheguei ao CDS muito antes de Cristas e até antes de Paulo Portas’

O candidato à liderança do partido assume os erros do passado, mas diz ter uma visão muito diferente da de Assunção Cristas. E rejeita acordos à direita, defendendo que o CDS tem de crescer por si próprio.

Refere na sua moção ao congresso que ‘o CDS deixou de ser um partido médio no espetro parlamentar para assumir a condição do maior dos pequenos partidos’. Como chegou o CDS a este ponto?

O CDS-PP chegou até aqui porque falhou a abordagem ao desafio eleitoral de 2019. Houve erros de posicionamento do partido, hesitações e pouca capacidade de transmissão de uma mensagem clara. Foram muitos erros num período relativamente curto de tempo. No fundo, nas eleições legislativas, faltou utilidade para o voto no CDS-PP. Isso levou-nos a um péssimo resultado. Para recuperar o seu lugar, o CDS-PP não pode cometer este tipo de erros.   

Existem cinco candidatos à liderança do partido, que tem neste momento o mesmo número de deputados na Assembleia da República. Teme uma erosão do CDS?

Não temo nenhuma erosão do CDS-PP. A preparação do 28.º Congresso está, isso sim, a demonstrar a grande vitalidade do partido. O resultado das eleições legislativas foi muito penalizador para o CDS-PP, mas isso não apaga a história do partido, a sua importância e o facto de sermos a grande casa da direita democrática em Portugal.

Nuno Melo pediu diálogo aos candidatos para evitar a ‘balcanização’ do partido. Em que aspecto estaria disposto a ceder para evitar este problema e potenciar uma ‘plataforma mais ampla’, como diz o eurodeputado?

Concordo com o Nuno. Desde o início deste processo afirmei a minha candidatura pela positiva. Pela união do partido e pelo seu futuro. Assim sendo, estive e estou disponível para todas as iniciativas construtivas e jamais terei uma postura de conflito interno ou exclusão.

Filipe Lobo d’Ávila defende o regresso à ‘matriz’ do CDS e propõe deixar cair a sigla PP. Qual a sua posição em relação a este assunto?

Sou absolutamente contrário a essa ideia. Assumo a história do CDS-PP como um todo, por inteiro. O Partido Popular apareceu num determinado contexto e, naquele momento, com bastante sucesso. Da mesma forma que na altura votei contra a eliminação do CDS do nome do partido, não concordo com a exclusão do PP. Somos o CDS-PP, o partido da direita democrática e popular, que faz parte do Partido Popular Europeu e assume com orgulho todos os ciclos da sua história.

Teme que possam existir acertos de contas no congresso?

Tenho dito em todas as sessões de esclarecimento que tenho feito pelo país que existem duas formas de fazer este congresso: ou nos focamos no passado ou definimos o que queremos que seja o nosso futuro; ou ficamos a olhar a sexta-feira, ou juntos iremos construir a segunda-feira seguinte. Por mim, farei um congresso virado para o futuro, quero discutir a estratégia que devemos seguir para fazer com que o CDS-PP cresça e volte a merecer a confiança do eleitorado. Acertos de contas, saneamentos e purgas não são próprios da direita. São típicos noutras paragens.

O próximo líder do CDS-PP deveria ser deputado da Assembleia da República? Isso daria mais força à liderança?

Não acho que ser deputado seja uma condição necessária para ser o próximo líder do CDS-PP, mas também não lhe escondo que se a oposição ao PS e a este Governo se fará no Parlamento é muito interessante e mais eficaz que o presidente do CDS lá esteja a discutir com o primeiro-pinistro e a impor a nossa agenda. Ou seja, não sendo requisito, mal não fará com certeza.

Por ser o candidato mais próximo da atual direção, é justo associá-lo aos maus resultados obtidos pelo partido nas últimas eleições?

Assumi a minha responsabilidade nos resultados eleitorais sem qualquer reserva. Era membro da direcção e fui candidato. Aliás, no pior resultado de sempre do partido segurei o lugar de Aveiro, algo que não tinha acontecido no passado, com um resultado semelhante. Embora nunca mo tenham exigido, também assumo os resultados em que tive participação idêntica e que foram os melhores dos últimos 25 anos. Tenho mais de 26 anos de militância na JC e no CDS. Cheguei ao partido muito antes de Assunção Cristas e até antes de Paulo Portas, e trabalhei com todos os presidentes com a mesma lealdade, sempre dizendo o que penso e apontando internamente as eventuais divergências. Apresentei moções globais nos três últimos ciclos de liderança, dizendo sempre o que pensava. Nunca virei as costas ao meu partido, sempre colaborei dando o meu melhor pelas ideias que defendo. Fui presidente da JP, fui secretário-geral do CDS em altura de grande recuperação da implantação e de enormes sucessos eleitorais, servi no Governo de Portugal em nome do CDS-PP, e creio ter honrado a confiança que em mim foi depositada. Conheço bem o partido e tenho a experiência suficiente para liderar o CDS-PP neste momento crítico. 

Existem linhas condutoras da direcção cessante que irá manter se for eleito?

O estilo da Assunção Cristas é muito diferente do meu. Procurarei aproveitar algum do seu optimismo e determinação, com a convicção que me caracteriza. Em 2016 apresentei uma Moção de Estratégia Global que definia o rumo que o partido devia ter seguido no ciclo que agora terminou. Sou por um partido próximo das bases, descentralizado, previsível, claro e afirmativo na sua mensagem política. Será por aí que irei.

Mas existem outros pontos em que se distancia totalmente, como o caso do apoio a Marcelo nas próximas presidenciais, que foi anunciado por Assunção Cristas. Disse que a posição do partido não pode partir de ‘impulsos’, mas qual a sua opinião em relação ao primeiro mandato de Marcelo? Seria descabido apoiar uma recandidatura?

A minha posição sobre essa matéria está muito clara na moção. A candidatura presidencial é, antes de mais, o resultado de uma determinação e de uma vontade pessoal, que ainda não se anunciou. Quando houver essa manifestação, o CDS reunirá internamente, avaliará o mandato que agora termina, e decidirá o que fazer no futuro. Cada passo de sua vez, sem precipitações e sem centralismo na decisão.  

Em relação a acordo à direita, o crescimento do CDS poderia passar por entendimentos com outros partidos, nomeadamente o PSD?

Não podemos estar dependentes de outros partidos para crescer. Pelo contrário, temos que crescer por nós para sermos indispensáveis numa solução de governo alternativa ao socialismo. Esse crescimento passa antes de mais pela afirmação das nossas ideias, pela formação e fortalecimento da nossa rede, e por melhorar a eficácia da nossa comunicação. O CDS-PP é um dos partidos fundadores da democracia, que tem demonstrado ao longo dos anos ser um valor firme, estável, com quem os portugueses sabem que podem contar.

E com a Iniciativa Liberal e o Chega?

O CDS-PP é um valor estável e fará, por si, o caminho da sua afirmação e recuperação.

Na moção não aborda de forma tão clara assuntos fraturantes como o aborto. Alguns candidatos defendem a revogação da lei. Qual a sua posição?  

O CDS-PP tem desde sempre na defesa da vida humana um dos seus valores fundamentais. Neste momento, a defesa da vida deve estar concentrada no combate à legalização da eutanásia. Estaremos na primeira linha para evitar que aconteça.

E em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo?

Não concordo com a actual solução legal, mas não se podem alterar leis com este impacto a toda a hora.

Defende também que as eleições deveriam durar dois dias. A solução para combater a abstenção passa por aí?

Combater a abstenção passa por promover a participação. Aprofundar o voto antecipado e o voto em mobilidade. O que defendemos, antes de mais, é que exista uma vontade séria de estudar o crescimento da abstenção em Portugal, e para tal propomos a constituição de uma unidade de missão composta pelo governo e pelos partidos. Devemos promover a participação cívica e democrática desde os primeiros anos escolares; devemos estudar a introdução de ferramentas digitais nos processos de participação cívica, e sim – está estudado por académicos – alargar a eleição para dois dias. Este tema é urgente, por isso lhe dou tanta importância na moção. A qualidade da democracia, e qualidade da decisão colectiva, passa antes de mais nada pelo nível de participação e alinhamento em eleitos e eleitores.

Um dos principais problemas do CDS é o estado financeiro do partido. Será uma prioridade ‘pôr as contas em ordem’? De que forma?

Não tenho qualquer interesse em discutir na praça pública as finanças do partido, até porque sei que existem neste momento processos de negociação de algumas dívidas e, evidentemente, estaria a fazer um mau serviço se contribuísse para enfraquecer a posição negocial do CDS-PP. O que lhe posso dizer é que pretendo introduzir alterações de governança que visam conferir mais transparência e rigor na gestão das finanças e património do CDS-PP. Creio que há boas práticas e boas soluções que contribuirão para dar solidez às contas do Partido.

Na moção defende também que os órgãos nacionais devem perder peso para os locais. Isso garantirá uma maior aproximação do CDS ao eleitorado?

Para mim, a política faz-se da base para o topo, e não de forma inversa. A rede nacional do CDS-PP é um dos seus principais activos. A força do CDS-PP virá da capacidade que tivermos em formar essa Rede, em dar ferramentas a essa rede, para que possa cumprir a sua missão de, localmente, representar o CDS com competência e propriedade. Acredito que de uma rede preparada, eficaz e actuante resultarão bons recursos para a renovação do CDS e da política nacional.

Defende também a criação de conteúdos ‘próprios’ e ‘virais’ em detrimento de aparições na imprensa ou nos meios de comunicação convencionais. O objetivo é atrair um público mais jovem?

Não é em alternativa, é em complementaridade. Hoje, as pessoas informam-se de forma muito diversa. É fundamental que o CDS esteja presente e seja eficiente a comunicar em todas as plataformas, sem desperdiçar nenhuma.

Se perder, como será o seu futuro no partido?

É coisa que não me ocupa um segundo. Sou determinado e estou profundamente convicto de que ganharemos o congresso.