A moção que apresentou começa com frases fortes: “A hecatombe é conhecida e quase não encontra paralelo na história do nosso partido. A mensagem política do partido não passou nem foi entendida pelo nosso próprio eleitorado”. Porquê? O que falhou?
São frases fortes mas objetivas. Não discutir o que correu mal seria uma irresponsabilidade da minha parte e um serviço que não estaria a prestar ao partido num momento decisivo da história do CDS. Do meu ponto de vista, o partido seguiu uma estratégia errada, foram cometidos demasiados erros, não se quis ouvir quem divergia e não fomos competentes a corrigir o rumo.
E quem deve ser responsabilizado por isso?
Os responsáveis somos todos, mas em primeira linha os que assumiam (e ainda assumem) responsabilidades políticas na direção do partido. Assunção Cristas nunca esteve sozinha, foi acompanhada por toda uma direção e por todo um partido que se deixou iludir pelo resultado que obteve em Lisboa nas autárquicas, esquecendo que esse resultado extraordinário se devia a circunstâncias meramente conjunturais e sem qualquer réplica ou efeito similar no resto do país.
Diz que não descarta Assunção Cristas do futuro que quer construir. Faz sentido trabalharmos com a pessoa a quem apontamos o dedo?
Não aponto o dedo nem pretendo escorraçar ninguém do CDS. Assunção Cristas nunca esteve sozinha. Foi acompanhada por 80% do partido em diferentes momentos e por toda uma direção repleta de gente com enorme experiência política e partidária. Dizer que a culpa é de Assunção Cristas é uma resposta demasiado simplista. Isso seria razão para retirar todos aqueles que convictamente acreditaram nesse caminho e que convictamente nos conduziram a esta situação ? Sinceramente, não me parece que seja a solução, apesar de hoje sabermos que infelizmente tínhamos razão. Assunção Cristas é, enquanto o quiser, um enorme ativo do CDS. É uma mulher que respeito, que admiro intelectualmente, mas com quem tive fortes divergências políticas.
Que expectativas tem para este congresso?
Espero que exista a maturidade de perceber o momento que o CDS vive. O partido precisa de recuperar a credibilidade, precisa de recuperar a confiança e precisa de se reorganizar internamente de forma substancialmente diferente do que fez neste passado recente. A expectativa que tenho é que o congresso permita essa mudança, que os congressistas possam escolher livremente, sem pressões e sem condicionamentos.
Com tantos candidatos à liderança e tantas visões diferentes, não teme a desintegração do partido?
Não. Nunca gostei de congressos com candidaturas únicas em que alguém que destoasse do coro coletivo era logo rotulado de oposição. Não vejo na pluralidade uma ameaça, bem pelo contrário. Só enriquece. Da minha parte, já disse que ou ganhava, como acredito que possa ser possível, ou não seria oposição. Não procuro nem quero qualquer lugar nem pretendo qualquer acordo de bastidores. Se fosse para fazer acordos teria sido muito mais fácil, e talvez mais apelativo e prudente, tê-lo feito com Assunção Cristas.
Em que aspetos estaria disposto a ceder para não comprometer a união do CDS?
A união do CDS parte de dois pressupostos básicos: reconhecer os erros do passado para que não os voltemos a repetir e aceitar a mudança necessária e urgente do partido. Não estou disposto a ceder em nenhum destes princípios. Aceitarei com tranquilidade se o caminho for outro, com fair-play, mas há princípios que para mim não são negociáveis. Não troco lugares por princípios nem pelo que acredito. É evidente que falo com todos os outros candidatos, com quem consigo ter um relacionamento de amizade ou de maior ou menor proximidade, mas confundir proximidade ou mesmo amizade com plasticidade política não é o meu forte.
Defende a “reversão gradual” da lei relativa ao aborto. Porquê voltar a assuntos que o próprio CDS já tinha dado como ‘arrumados’?
Não sei bem o que é isso de assuntos dados por arrumados pelo CDS. Não tenho qualquer problema em assumir que continuo contra o aborto, não mudei de opinião, e acho que o CDS é e deve continuar a ser contra o aborto. É uma questão identitária que faz parte do nosso património partidário e que nos diferencia. Às vezes parece que consideramos os temas arrumados e que já nem precisamos de falar deles e até parece que nos sentimos desconfortáveis ou envergonhados. Não tem que haver desconforto nem vergonha, só clareza. A minha posição é clara. O aborto deve ser dissuadido eficazmente e julgo que a nossa ação política se deve centrar sobretudo no reforço dos mecanismos de apoio e aconselhamento e nas políticas ativas de promoção da vida. Não faz sentido falar de criminalização do aborto, no sentido em que a criminalização implica regra geral uma pena, um castigo social público e notório. A mulher que passa pelo drama do aborto já paga a sua pena com a violência do próprio ato; não encontro justiça ou humanidade em expor uma pessoa nesta circunstância, e não nos devemos colocar no papel de querer promover a humanidade através da desumanidade.
Disse numa entrevista à Lusa que quer o regresso do CDS “à matriz”, “deixando cair” a sigla PP. Na prática, o que tenciona alcançar com esta mudança?
Reforçar a identidade do CDS passa por atos que, sendo meramente simbólicos, demonstram o caminho que queremos seguir. Sou dos que tenho orgulho em ser CDS e sei que muitos me acompanham nesse sentimento. As pessoas que não são do partido reconhecem a marca CDS, nem sabem bem o que é isso do PP, que tem uma justificação histórica de inspiração ibérica mas que reconhecidamente não fez caminho. É interessante registar o novo apego e afetividade à sigla PP que se nota em alguns setores internos. O CDS, sigla histórica, e que defendo, esteve de pleno direito e com grande destaque na UEDC – União Europeia das Democracias Cristãs. Em consequência disso, integrou o PPE – Partido Popular Europeu, aquando da adesão de Portugal à CEE. Curiosamente, cortou com o PPE quando se tornou PP – Partido Popular, na fase mais eurocética da vida do partido, um período que respeito, que faz parte da história do partido, mas que se dissolveu no regresso do CDS ao PPE e na consolidação enquanto partido da grande família democrata-cristã europeia.
Esta medida não pode ser vista como uma forma de renegar parte da história do partido e algumas pessoas ligadas a ele, nomeadamente Manuel Monteiro?
Não. Também há teorias para todos os gostos. Uns dizem que é um ataque a Paulo Portas por causa da sigla PP. Outros dizem que é uma forma de renegar os tempos de Manuel Monteiro. Não renego nenhum dos tempos. Filiei-me no CDS como jovem estudante de Direito no tempo de Manuel Monteiro e tive a oportunidade e o privilégio de servir o CDS no tempo de Paulo Portas.
O CDS deve estar aberto a coligações com outros partidos?
O CDS deve afirmar-se como partido da direita democrática e moderada. Deve procurar ter a máxima força que permita contribuir para uma mudança de Governo. Temos uma visão substancialmente diferente do Estado, da sociedade, das empresas, do papel de cada um de nós relativamente à visão que o Governo socialista tem. O CDS deve lutar por essa ideia de país e por essa visão de sociedade. Isso implica necessariamente abertura para encontrar plataformas de entendimento assentes num projeto mobilizador de centro direita que possa ser verdadeiramente alternativo ao projeto socialista e que não seja apenas uma questão aritmética de conquista de poder.
E um acordo com o Chega? A verdade é que em assuntos fraturantes existem algumas aproximações – também é contra o aborto e defende que eutanásia só com referendo, por exemplo.
Não acho que o CDS se deva preocupar em demasia com o Chega. O Chega teve os votos que teve e há que respeitar a decisão dos portugueses que ali decidiram votar como a decisão dos portugueses que desta vez não votaram no CDS. O papel do Chega diz respeito apenas ao Chega. Nós hoje assistimos a um frentismo de esquerda que deve merecer uma resposta similar do lado do centro direita, mas como referi tem que existir um projeto alternativo e não apenas um mero arranjo aritmético. E para isso é preciso existir uma visão coincidente do Estado, da sociedade, do papel das empresas, do papel de cada um de nós. Sei bem que o CDS não é o Chega e parece-me que a visão será substancialmente diferente. Replicar o Chega ou a Iniciativa Liberal seria uma tentação que o CDS pagaria muito caro. As cópias são sempre piores e há originais que pura e simplesmente não devem ser copiados.
Em relação às presidenciais, faz sentido apoiar uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa?
O CDS não tem uma posição formal definida sobre esta matéria e só a deve apreciar quando a questão se colocar. O CDS deve manter todos os cenários em aberto.
A avançar com um nome, quem acha que poderia ser um bom substituto de Marcelo? Paulo Portas?
Paulo Portas seria sempre um excelente candidato na área política do centro-direita, mas terá que lhe perguntar se a sua vontade individual passa por aí. Não faço ideia. Uma eleição presidencial não deve ser uma eleição partidária, razão pela qual entendo que o CDS deve manter todas as opções em aberto. Não nos devemos precipitar nem devemos excluir cenários.
Voltemos ao CDS. Disse que queria recuperar a “credibilidade” do partido. Isso passa por que estratégia?
Passa por ter um posicionamento claro, um discurso coerente, uma mensagem simples e de fácil perceção, uma comunicação eficiente e dinâmica, uma estrutura nacional real e não apenas para propósitos eleitorais internos e naturalmente uma equipa coesa e credível.
Faz mais sentido o partido apoiar-se na velha guarda ou apelar a um eleitorado mais jovem?
O CDS deve ter um discurso credível dirigido a todos. Um partido de futuro tem que ter ambição de ter muito mais do que 2% no eleitorado jovem e tem que ter a maturidade de perceber que a experiência e o conhecimento da “velha guarda” é sempre essencial. O equilíbrio é sempre preferível ao corte.
Mas acha que o eleitorado mais novo pode rever-se mais numa candidatura mais jovem, como Francisco Rodrigues dos Santos?
Não acho que a questão da idade seja determinante. Esse é o menor dos problemas de qualquer um dos candidatos do CDS, seja do Francisco, do meu ou do João ou mesmo de qualquer outro. A idade não é um posto.
Acha que, mesmo se não for o vencedor, o CDS tem condições para voltar a ser a terceira força política?
Um partido como o CDS vale a pena e que tem todas as condições para voltar a ser um partido relevante na vida política portuguesa. Cada vez menos acredito em homens (ou mulheres) providenciais, pessoas insubstituíveis, sejam eles (elas) mais novos ou mais velhos. Veremos o que o CDS vai escolher. Para ser franco, estou a trabalhar para ganhar. Há uma frase atribuída a Adriano Moreira que é genial: “o partido não tem nada para me dar que eu precise e eu darei aquilo que o partido entender necessitar”. É esse o espírito.