Ao iniciarmos o ano de 2020 assistimos a múltiplas promessas de envolvimento político na promoção de uma sociedade mais justa e solidária, tendo implícita a exigência individual e coletiva de uma maior responsabilidade e sentido de partilha.
Trata-se de um exercício que ganhou tradição de calendário que visa, sobretudo, promover a estabilidade emocional dos cidadãos, a qual tem como pressuposto nuclear a sensação de que não somos enganados via demagogia, mentira ou manipulação enganosa de ‘meias verdades’.
Por cá, foram bastas as narrativas impregnadas de intenções firmes para se ultrapassarem as situações de pobreza, em especial as de natureza incapacitante, enfrentar conveniente e consequentemente a corrupção, contrariarem os modelos de educação e formação de efeitos sociais assimétricos, promover a oferta de serviços de saúde de qualidade ao alcance de todos os cidadãos, e dar à promoção da cultura a dimensão de fortalecimento da compreensão do universo, reforçando o sentido pessoal de integração social. No fundo, atuar politicamente para promover ativamente a libertação dos enclausuramentos injustos.
Contudo, a sucessão de acontecimentos políticos que marcam o início deste novo ano, reforçam a ideia de existir uma multiplicação de posturas, desenvolvidas com maior ou menor habilidade e mestria, articuladas em torno de ambições de poder desencadeadas numa lógica fechada de distribuição de benesses, sinecuras, ampliação de influências e, ainda, de reforço de interesses particulares, muitas das vezes dissimulados.
É cada vez mais claro que é uma pequena elite que controla e decide quais os caminhos possíveis a percorrer pelo cidadão comum. É fundamental que não fiquemos pelo sentido básico de democracia e expandamos o carácter da conexão entre as ideias de um homem um voto ao sentido de igualdade que lhe está subjacente. No limite, o exercício da democracia configura o modelo de justiça que a sociedade escolhe para a sua governação. Sendo incontornável que a falta de justiça encobre invariavelmente um conjunto alargado de privações de diferente teor, passando nomeadamente pela falta quer de liberdade, quer de sentido de cidadania, perpetuando, assim, inaceitáveis assimetrias, nem sempre fáceis de visualizar.
O que conseguimos ver não é independente dos diferentes pontos de referência que escolhemos para ver, nem o é da relação que estabelecemos com aquilo que estamos a ver, nem sequer é, também, independente de todas as interferências que se adicionam à relação entre o observador e o que é observado. Se é difícil ver o que é justo, optemos por combater o que é injusto, seguindo, por exemplo, Amartya Sem, quando nos ensina que «toda a sensação de injustiça tem de ser alvo de exame, ainda que se venha a revelar erroneamente fundamentada, mas, como se dê por bem fundada, deve ser combatida até ao fim».
O combate à injustiça alimenta-se de atitudes, de indignação, de narrativas e de argumentos convincentes, sendo certo que existe sempre uma pluralidade de alternativas de intervenção, com equivalente pluralidade de considerandos e razões que competem entre si para que se confirme ou infirme a injustiça. Esperemos que o combate político passe muito por aqui, onde, contudo, ninguém se pode achar dispensado, nem sequer limitar-se a apontar culpas a terceiros.