Há manuais para que os predadores sexuais de crianças possam interagir com outros na darkweb sem deixar rasto. E até há escritos que ensinam os menos experientes a abordar uma criança e a levá-la a fazer o que não quer. Os crimes sexuais contra menores na internet são cada vez mais uma realidade e as formas que os abusadores utilizam para conseguir levar a cabo os atos tendem a ser mais diversificadas.
A propósito da jornada de reflexão sobre este tema, promovida pela Polícia Judiciária esta quinta-feira, foi explicado como é que os predadores sexuais atuam atrás de um computador e muitas vezes acabam por abusar sexualmente de menores. «Cada vez mais isto será, com certeza, uma tendência – a utilização da famosa darknet. Cada vez é mais fácil utilizar a darknet», referiu Pedro Vicente, coordenador de Investigação Criminal na secção central de Investigação da Cibercriminalidade contra as Pessoas.
A darknet é, no fundo, uma parte da internet que está escondida e onde os abusadores partilham informações sobre crianças – sejam fotografias ou vídeos. Apesar de ser necessário algum conhecimento informático, é cada vez mais fácil aceder a este espaço literalmente obscuro da internet.
Pedro Vicente explicou que «existem verdadeiros manuais de encriptação, de eliminação de vestígios, tudo para que a comunidade, neste caso, dos abusadores sexuais, possa interagir livremente». «Existem escritos a aconselhar como se deve abordar o menor, no sentido de, supostamente, convocar a sua adesão», acrescentou. De acordo com as investigações da PJ e dos dados disponíveis, Pedro Vicente considerou que «estes fóruns, promovem e instigam ao cometimento destes crimes, não só para se satisfazerem abusos sexuais, mas também para adquirir prestígio» na comunidade online.
Durante a conferência, que contou com a presença de membros da Europol, da Interpol e da Homeland Security Investigation, a Polícia Judiciária apresentou os contornos da investigação de um caso considerado de sucesso e em que a cooperação policial internacional foi crucial – um homem que, a partir de Águeda, geria uma rede de pedofilia a nível mundial num fórum da Darknet. Foi julgado e condenado a 25 anos de prisão por abusos sexuais de menores entre 2013 e 2017 – algumas das crianças eram suas familiares. «Houve logo um esforço de acompanhamento por parte de todas as polícias a nível internacional», acrescentou.
A investigação formal teve inicio em Portugal quando começaram as suspeitas de que o responsável pela página poderia ser português, «porque foi sinalizada a titularidade de um perfil associado a um endereço de correio eletrónico que estava alojado numa operadora portuguesa».
Nessa altura, em 2017, ainda se pensou que o suspeito utilizava a língua portuguesa para despistar as atenções, mas uma conversa com um outro utilizador brasileiro confirmou que o homem era mesmo de nacionalidade portuguesa, devido ao uso de «expressões linguísticas típicas portuguesas». «Já tinham sido apreendidos alguns discos e ele estava a comentar com o suspeito brasileiro que para reaver os discos ia custar ‘os olhos da cara’», explicou Pedro Vicente.
A plataforma chamava-se ‘BabyHard’ e, segundo Pedro Vicente, «iniciava-se como as outras, com um conjunto de regras de utilização, em que se aconselhava os utilizadores a não fornecer dados pessoais, a eliminar os registos das fotografias para evitar a abordagem policial». Nesta plataforma, os utilizadores teriam de fazer os abusos, registar em imagem esses mesmos abusos e depois partilhar os documentos com os restantes utilizadores. «Os abusos sexuais muitas vezes eram cometidos, não só para satisfazer os abusadores, mas para adquirir prestígio dentro da comunidade de abusadores sexuais digitais», referiu o responsável da PJ.
‘Por favor, falem sobre isto’
No caso chamado ‘Twinkle’, a identidade das vítimas nunca foi divulgada. Sobre este aspeto, Cathal Delaney, da Europol, falou sobre a necessidade de proteger os menores, vítimas deste tipo de crime, que «perderam a possibilidade de ter as suas vidas de volta». Cathal Delaney pediu ainda que o assunto seja encarado pela sociedade como um problema real. «Nós temos de falar sobre isto. É difícil ouvir falar sobre isto, mas se não falarmos, o assunto continua na escuridão. Por favor, falem sobre isto com os vossos colegas, com a vossa família», acrescentou.
Segundo Cathal Delaney, só no ano passado, a Europol recebeu cerca de 3400 denúncias de crimes de abuso sexual a menores praticados através da internet em 80 países.
O perigo dos jogos online
Durante a conferência foi ainda anunciado que a Polícia Judiciária deteve um jovem de 19 anos suspeito de aliciar crianças a enviarem-lhe vídeos com conteúdo sexual através do jogo Fortnite.
O jovem conhecia as crianças através do jogo e, uma vez estabelecida uma relação de proximidade através de aplicações como WhatsApp, Instagram ou Facebook, este pedia que lhe fossem enviados vídeos dos menores a praticarem atos sexuais.
Desconhece-se ainda se o suspeito, que vive numa freguesia de Salvaterra de Magos, interagia diretamente com as vítimas. Segundo o coordenador de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, o suspeito «percebeu que esta poderia ser uma excelente ferramenta para aceder a crianças e que, apesar da sua tenra idade, conseguia atrair as crianças para a prática deste tipo de ilícitos, tanto para divulgação de pornografia online, bem como para as atrair e sobre elas praticar atos sexuais».
No final do encontro realizado esta quinta-feira, a PJ assinou ainda três protocolos – com a Associação de Apoio à Vítima (APAV), com o Instituto Politécnico de Beja e com o Centro de Formação da Indústria Eletrónica – que pretendem melhorar o trabalho na área da proteção das crianças vítimas de crimes sexuais.