Foi o fim de um mau filme em que todos sabiam o desfecho desde o início. Talvez a imagem que ficará presente na memória de muitos será a do Presidente Donald Trump, no discurso em direto da Casa Branca um dia depois do voto no Senado, a ostentar a capa do Washington Post como se se tratasse de um troféu: «Trump Absolvido».
«É um dia de festa, porque passámos pelo Inferno», disse o terceiro Presidente dos Estados Unidos a ser impugnado na Câmara dos Representantes, descrevendo o processo de destituição, no qual foi acusado de abuso de poder e obstrução do Congresso, como um «absurdo». E, no mesmo discurso, interpretado por boa parte da imprensa norte-americana como um dos eventos mais insólitos da história presidencial, Trump prometeu servir a vingança em prato frio a quem se atreveu a pôr-se à sua frente.
Os seus alvos foram dos democratas «imorais» aos polícias «corruptos» do FBI, passando por Mitt Romney, único senador da história dos EUA a votar a favor da impugnação de um Presidente do seu partido e candidato presidencial republicano em 2012.
Numa entrevista à Fox News, Romney, admirado por muitos republicanos há alguns anos, disse temer represálias devido à sua dissidência. E há quem já tenha reagido, como o congressista da Florida Matt Gaetz, que propôs a sua expulsão. Mesmo quando Romney, justificando o seu voto, afirmou concordar com «80%» das medidas levadas a cabo pela a administração.
Processo de destituição está longe de ter chegado ao fim
Num momento em que as primárias acabaram de dar o tiro de partida, na segunda-feira passada, o tema «destituição» promete arrastar-se durante meses, ofuscando as propostas políticas de cada partido. Com efeito, Trump deu sinais, na quinta-feira, de poder voltar a pôr o dedo naquilo que desencadeou o processo de impeachment: pôr a sua administração a investigar Joe Biden, possível adversário nas eleições, e o seu filho, Hunter Biden, que esteve na direção de uma petrolífera ucraniana na altura em que o seu pai era vice-presidente dos EUA.
Num país onde as convenções cerimoniais têm uma ampla importância na política, Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes e descrita pelo Presidente como uma «pessoa horrível», também não se coibiu de romper com as cortesias tradicionais, ao rasgar o discurso do Estado de União de Trump, na terça-feira, dia anterior ao voto sobre a impugnação, na câmara alta. «Um estado de espírito que não teve nenhuma conexão com a realidade», atirou Pelosi depois do discurso do Presidente.
A ausência de palavras meigas entre dois dos mais poderosos políticos norte-americanos não podia ilustrar melhor os nove longos meses de feroz batalha política que se anteveem até às eleições presidenciais – que acontecem em novembro –, e o aprofundamento da divisão partidária num país em que o sistema político premeia o compromisso.
Uma coisa é certa. Se um dos grandes objetivos do Partido Democrata com o processo de destituição, sabendo o seu desfecho, era guinar a opinião pública para o seu lado, falhou redondamente. Na verdade, até pode ter alavancado Trump.
Trump sai reforçado com absolvição
A sondagem realizada pela agência Reuters após a absolvição do ocupante da Casa Branca demonstra isso mesmo: 43% dos inquiridos apoiam a sua absolvição, enquanto 41% se opõe a este desfecho. O mesmo se pode dizer sobre a popularidade de Trump, de acordo com as sondagens da Gallup. Em outubro, no início do processo de destituição, o chefe da Casa Branca tinha uma taxa de aprovação de 39%, hoje essa percentagem é de 49% – o que poderá ser suficiente para projetar um cenário de reeleição do Presidente.
Trump tem outro ponto a seu favor: a perceção dos eleitores sobre a economia dos EUA. A confiança dos norte-americanos no cenário económico atual está no ponto mais alto (59%) desde a administração de Bill Clinton, diz uma sondagem da Gallup publicada a 23 de janeiro.