Tenho 58 anos, seguramente trabalharei até aos 70. Tenho muitos anos pela frente». A frase de António Costa ao Jornal de Notícias é bastante elucidativa do que o primeiro-ministro pensa sobre o futuro. Com uma oposição esfrangalhada e com Rui Rio a cometer os mesmos erros do passado recente, Costa pode imaginar-se em S. Bento até aos 70 anos. Curiosamente, a resposta do líder do PS é sobre uma pergunta a propósito de eventuais sucessores. Costa gosta de dar recados para dentro e para fora do partido, mas parece evidente que acredita que a idade da reforma irá aumentar até aos 70 anos, num futuro não muito distante…
O que se passou com a aprovação do Orçamento do Estado foi mais uma lição do primeiro-ministro de como se faz política. Com a ameaça da descida do IVA da eletricidade, e o consequente desaparecimento do excedente orçamental, Costa fez saber através dos seus homens e mulheres de mão que podia jogar uma carta forte que em última instância podia acabar na demissão.
Rui Rio, mais uma vez, caiu na jogada de Costa e andou ao sabor do vento. Armou-se em gigante, defendendo a descida do IVA da luz para 6%, mas para não ficar com fama de irresponsável aos olhos do seu eleitorado, apresentou medidas para mitigar esse custo, e acabaria como anão. Uma tontice, como acabaria por se ver. O PCP também mais uma vez fez o favor a Costa de votar contra a proposta dos sociais-democratas e todos ficaram de bem consigo, no final da peça de teatro.
Voltando à entrevista de Costa, ficou a saber-se que Ana Gomes não será a candidatada do PS à Presidência da República nem que Cristo desça à terra; que o PS deverá abster-se de apresentar um candidato que afronte Marcelo; que o seu Governo tudo fará para aprovar a regionalização de uma forma encapotada, através da descentralização; e que Mário Centeno deverá mesmo ter feito o seu última orçamento.
O primeiro-ministro é um homem obcecado com o palco político e gosta de afastar os seus adversários sem contemplações. Veja-se o que faz com Carlos Silva, líder da UGT, que não foi recebido em S. Bento nos últimos quatro anos, tendo afastado os socialistas sindicalistas das listas do partido. Tudo porque Carlos Silva apoiou António José Seguro na corrida à liderança do PS. Também Francisco Assis é outro personagem por quem Costa tem um carinho muito especial, que o leva a querer vê-lo o mais longe possível. Já Pedro Nuno Santos, o primeiro-ministro quer vê-lo bem de perto para o controlar melhor. Pois é daí que vem o perigo da sucessão!
Certo é que com esta oposição Costa bem pode sonhar em ser primeiro-ministro durante mais dois mandatos, embora seja muito difícil que tal aconteça, e depois candidatar-se à Presidência, saindo de cena com os tais 70 anos.
Esta semana, além da novela do Orçamento, ficou marcada pelo parecer pedido pela Procuradoria-Geral da República sobre a subserviência dos magistrados do Ministério Público aos seus superiores. Uma medida que anula a decisão tomada pela anterior procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e os seus pares dizem, e bem, que esta medida coloca em causa a transparência da Justiça. «É o regresso ao tempo do dr. Pinto Monteiro e das decisões secretas e inexplicáveis», disse Ventinhas ao Expresso. A partir de agora, em qualquer investigação, os superiores hierárquicos podem dizer para se ouvir determinada figura e para esquecer outras, por exemplo. É lamentável esta decisão, mas António Ventinhas, presidente do sindicato, bem pode pôr a mão na consciência, pois foi um dos que defendeu que Joana Marques Vidal só devia fazer um mandato. Se o arrependimento matasse…
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