A atual intenção de alterar a circulação na zona da Baixa parece não ter em conta os moradores e o comércio da zona e dos bairros limítrofes. Esta deveria ser a prioridade. O sentimento de que a gestão da cidade é feita a pensar nos turistas é insustentável.
A poluição provocada pelos automóveis tem particular expressão na Baixa de Lisboa e os danos para a saúde e para a qualidade de vida daí decorrentes estão comprovados. É inegável o excesso de automóveis que circulam em Lisboa diariamente. Também é evidente que a Baixa tem características que potenciam o aproveitamento do espaço público para circulação pedonal e que a zona carece de uma requalificação que a torne mais atraente.
O plano para a zona de Emissões Reduzidas Avenida-Baixa-Chiado foi anunciado como resposta para os problemas da poluição e da qualidade do ar, reduzindo o tráfego de atravessamento e melhorando o espaço público na zona histórica da cidade. São propósitos virtuosos.
Na Baixa e bairros limítrofes assiste-se à diminuição e envelhecimento da população, sem que as políticas de gestão da cidade consigam inverter esta tendência de desertificação e que é agora, também, de invasão de turistas e de atividades turísticas. Apesar de tudo, alguns lisboetas resistem e adaptam-se às circunstâncias particulares de viver no centro de Lisboa.
As medidas do plano anunciado permitem, pelo menos, a possibilidade de se supor que se pretende ‘libertar’ a Baixa para os turistas, de que as iniciativas apontadas para salvaguardar os interesses dos moradores da Baixa e das zonas limítrofes os transformam numa espécie de ‘prisioneiros’ nos bairros onde vivem, dificultando a sua mobilidade e que as restrições limitam sobretudo os mais pobres (que dificilmente poderão adquirir carros elétricos).
Em democracia não se pode impor a mudança súbita de hábitos quotidianos. Quem gere a cidade deve fazê-lo olhando, em primeiro lugar, para o interesse dos seus habitantes.
O plano de condicionamento de trânsito na Baixa começou mal. Deste modo, prejudica a aceitação dos objetivos positivos e convida a posições extremadas e afirmações populistas.
Em democracia a humildade de admitir um erro ou uma precipitação e de corrigir é uma virtude. Espera-se que esta seja a atitude de quem lançou a proposta. Impõe-se um debate aprofundado e alargado, a audição dos órgãos autárquicos (Assembleia Municipal, Juntas e Assembleia de Freguesia) e a participação da população afetada. A implementação de qualquer medida deve ser posterior à avaliação deste processo de participação e respeitar os habitantes.
A mudança proposta para a Baixa tem um forte impacto e requer ponderação, evitando a precipitação e a imposição. Sobretudo, importa pensar, em primeiro lugar, em quem vive em Lisboa.
Quanto ao excesso de automóveis em Lisboa, deve começar-se por assegurar transportes públicos adequados. Depois, pode condicionar-se o acesso e/ou circulação dos automóveis que entram diariamente em Lisboa, mas respeitando quem não tem alternativa.
Mas na verdade todas estas medidas não passam de paliativos para um problema que deve ser resolvido a montante, a uma escala metropolitana e que se prende com os movimentos pendulares diários das pessoas que vivem longe do local de trabalho ou de estudo. Este problema apenas será mitigado com uma estratégia de desenvolvimento urbano diferente, criando novas centralidades e promovendo a mobilidade residencial através de acesso à habitação para arrendamento próxima do local de trabalho e a preços compatíveis com os rendimentos das famílias.