Uma Conspiração de Estúpidos é um livro de John Kennedy Toole que se lê de uma penada. O personagem principal é um figurão: Ignatius J. Reilly, um menino da mamã que está contra o mundo e vive com a urgência de escrever um libelo no qual denuncie todas as fraquezas da sociedade. Encontramos Ignatius em todas as esquinas das cidades, vilas, aldeias e lugarejos de Portugal, que continua a ser, como dizia Ruy Belo, aquilo que o mar não quer.
A dra. Ana Gomes vive contra o mundo mas, talvez por não saber escrever, grita. É, basicamente, uma mulher que grita. Não gosto de mulheres que gritam, embora tenha carinho pelas velhas pregoeiras que a nova sociedade antissética lusitana varreu das ruas de Lisboa e parece ter concentrado zoologicamente no castiço Mercado do Bolhão. A trajetória política da dra. Gomes levou-a a limpar com terebentina as nódoas da sua velha militância maoista e proletária ao lado do Grande Educador da Classe Operária, Arnaldo Matos, para se poder tornar mais confortavelmente prebendada em funções que na sua linguagem chocarreira designaria por tachos.
Não gosto de mulheres (e homens) que gritam e odeio delatores. Ou bufos, se preferirem. Provocam-me borborigmos no estômago até ao vómito. Odeio delatores como odeio coscuvilheiros, gentalha que invade a privacidade alheia e utiliza-a para obter vantagens e favores. A dra. Ana Gomes tornou-se, de um momento para o outro, a figura maternal de um fedelho metediço e fuçador chamado Rui Pinto, um daqueles infames ratos da informática que vasculham a intimidade dos outros pilhando correspondência das pessoas como quem pilha galinhas e lançando-se na atividade canalha e velhaca, pidesca mesmo, de assaltar correspondência. A mãe Gomes defende-o com um fervor que nos deixa seguros de uma de duas coisas: que o mariola a poupou à devassa ou, no caso contrário, lhe assegurou não a trazer a público.
O rapazola que se escondia numa empena de Budapeste entretido num esbulho de correio não foi suficientemente esperto para que a sua lura se mantivesse secreta. Recebeu as algemas que merecia e aguardará no catre o castigo proporcional à sua atividade sórdida. A mãe Gomes grita. Para ela, a Constituição e o seu artigo 32 – “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” – devem ser simplesmente ignorados para que o MP seja poupado àquilo para que revela pouca aptidão: investigar. É mais fácil viver de esbirros. Tornou-se, de repente, um Batman de saias. Que defende a delação, essa arma tão querida do fascismo.
Sempre ouvi dizer que se o Batman fosse esperto não andava com as cuecas por fora das calças. Mas o Batman também não tinha qualquer obrigação de saber uma linha que fosse sobre os princípios fundamentais da república em que vivemos, ao contrário da sra. Gomes que, apesar de ter o curso de Direito, sempre esteve mais interessada e empenhada em cargos políticos. Não tenho nenhum especial entejo pela doutora, tirando o facto de não gostar de gritos. Ao galopim do sótão de Budapeste dar-lhe-ia, à moda do divino Eça, uma boas bengaladas à porta da Baltreschi por ter roubado e divulgado alguma da minha correspondência particular, não porque haja nela algo de censurável que precise de esconder, mas porque, tal como Pinheiro de Azevedo se chateava por ser sequestrado, pá!, aborrece-me supinamente ver a minha intimidade remexida por seja quem for.
Pelo caminho da sua senda, madame Gomes resolveu divulgar uma lista de magistrados supostamente pouco sérios por serem convidados para ver jogos de futebol. Desta vez não gritou, sussurrou. Deitando um olhar ao rol, reconheço vários nomes. Gente impoluta que se tenta emporcalhar, alguns deles já falecidos, que não se podem defender, coisas absurdas como meter conselheiros no Tribunal da Relação. Feio. Muito feio. Mas, já agora, vamos a uma questão sobre a qual nunca a senhora nos elucidou: já alguma vez olhou para a bancada de honra de um clube cujo nome nunca proferiu? Se souber contar pelos dedos, talvez uma mão não chegue para os juízes que por lá pululam. É que, pelo meio da gritaria desbragada, não nos queira meter a todos no meio de uma conspiração de estúpidos.