A dias da votação no Parlamento, os maiores grupos privados de saúde já decidiram que, caso a eutanásia venha a ser despenalizada, não vão disponibilizar essa ‘valência’ nas suas instituições. O grupo José de Mello Saúde, dono das clínicas e hospitais CUF, e o grupo Luz Saúde mantêm a posição assumida quando foi despenalizada a interrupção voluntária da gravidez.
Os principais prestadores do setor social podem também vir a colocar-se fora da prestação destes atos. Os órgãos dirigente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) vão reunir-se na quarta-feira para tomar posição sobre o tema, adiantou ao SOL o presidente da UMP, Manuel Lemos. Em 2007, as misericórdias demarcaram-se também da prática de interrupções voluntárias da gravidez, defendendo o princípio da preservação da vida. Manuel Lemos admite que esse possa ser o caminho, salientando contudo que a posição será o resultado da decisão dos órgãos na próxima semana: «A minha opinião vai no sentido de seguirmos o mesmo caminho que tivemos na despenalização do aborto».
‘Vida humana é inviolável’
As Misericórdias são responsáveis por 19 hospitais no país e junto com a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) gerem 90% das unidades inseridas na Rede Nacional de Cuidados Continuados e Integrados, que inclui as valências de cuidados paliativos que dão assistência a doentes com condições irreversíveis. O padre Lino Maia, presidente da CNIS, disse ao SOL que neste momento a direção ainda não tomou qualquer decisão sobre o tema, remetendo uma posição para depois da votação no Parlamento.
A posição do grupo José de Mello Saúde veio a público depois de a empresa ter enviado esta sexta-feira um comunicado aos trabalhadores reafirmando o compromisso com o seu código ética, «aplicável a todas as unidades da rede CUF» e que consagra o princípio do respeito absoluto pela vida humana e pela dignidade da pessoa. No código de ética da empresa, disponível online, pode ler-se que a «a vida humana, desde a sua origem no zigoto até à morte natural, é inviolável». Aos profissionais está vedada «a prática de atos de abortamento intencional; a prática de eutanásia, voluntária ativa; a prática de eutanásia involuntária (quando é decidida pelo médico sem a pessoa a solicitar) e a prática de ajuda ao suicídio». O código de ética determina ainda que «toda a pessoa tem direito a ser assistida e reanimada» e que é vedado aos profissionais recusar ou suspender meios proporcionados de suporte de vida, mesmo que não haja probabilidades de sobrevivência. No mesmo capítulo, a CUF considera que a maternidade e a paternidade «são o suporte natural e necessário» à fertilidade. É vedada aos profissionais a prática de procriação assistida e pílulas do dia seguinte.
No comunicado interno, a que o SOL teve acesso, a José de Mello Saúde «reafirma a sua clara oposição à despenalização da morte medicamente assistida». A empresa «considera a vida humana como o primeiro e o mais elevado de todos os valores, prevalecendo sobre os interesses da Ciência e da Sociedade, considerando que nem tudo o que é tecnicamente possível é aceitável. A técnica, ainda que fundamental, é apenas um dos valores a considerar quando se toma posições sobre a vida das pessoas.»
Já o grupo Luz Saúde não emitiu nota, mas confirmou ao SOL que, tal como o grupo não disponibiliza a interrupção da gravidez, não tenciona também disponibilizar serviços de morte assistida.
Os projetos de lei preveem que sejam os doentes a escolher os médicos a quem pedem a morte assistida, mediante condições estritas (ver ao lado). Caso o pedido receba no final do processo parecer favorável de uma comissão de verificação, cuja criação está prevista em todas as propostas embora com composições e especificações diferentes, o ato de eutanásia ou suicídio assistido poderá acontecer em hospitais públicos e do privado e social ou em casa do doente, desde que estejam reunidas condições para esse efeito. Apenas o projeto de lei do PEV restringe estes atos aos hospitais públicos. Os projetos-lei preveem que os profissionais de saúde possam declarar-se objetores de consciência, mas não dizem nada em relação a instituições.
Em 2007, quando foi despenalizada a IVG, a questão das repercussões das objeções de consciência foi abordada já em sede de regulamentação (pelo Governo). Na altura, foi publicada uma portaria a estabelecer as medidas a adotar nos estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos com vista à realização da interrupção da gravidez. A portaria determina que nos estabelecimentos oficiais em que os objetores de consciência impossibilitem a realização da interrupção da gravidez nos termos e prazos legais devem garantir a sua realização, «adotando, sob coordenação da administração regional de saúde territorialmente competente, as adequadas formas de colaboração com outros estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos e assumindo os encargos daí resultantes». Perante a ausência de recursos próprios, os hospitais públicos têm recorrido a serviços médicos à avença para a realização de IVG ou para o encaminhamento das grávidas para o privado.
Segundo o último relatório da Direção Geral da Saúde, em 2018, 71% das interrupções da gravidez foram feitas no público e 28% no privado, a maioria encaminhadas pelos centros de saúde.