Para sempre ficará como um desses nomes cujo percurso se confunde com o da história da ficção televisiva nacional. Como ator, integrou o elenco logo da primeira produção do género em Portugal, no tempo em que a televisão se fazia apenas ainda a dois canais estatais. Com Nicolau Breyner, Margarida Carpinteiro, Mariana Rey Monteiro e Ruy de Carvalho estreava-se a 10 de maio de 1982, nesse início da década em que Portugal se abriria à Europa e ao progresso, Vila Faia no primeiro canal da televisão pública. Era o tempo em que um episódio de novela durava uns escassos 25 minutos, em que os episódios não se esticavam além dos 100. Entre os mais de 60 nomes que compunham o elenco lá estava ele, Tozé Martinho, que na televisão se havia feito notar ao lado da mãe, Tareka, já em 1977, n’A Visita da Cornélia, de Raul Solnado.
Na novela de Francisco Nicholson e Nicolau Breyner apareceria como João Silveira, inspetor da polícia, encarregado de, juntamente com o inspetor Serôdio (Francisco Nicholson), resolver dois homicídios nas caves dos vinhos Vila Faia. Por essa altura tinha Tozé Martinho 35 anos. E, como a das novelas portuguesas, a sua carreira como ator televisivo estava toda por ser escrita.
Da primeira vaga de novelas de produção nacional faria ainda parte Palavras Cruzadas (1987), a quarta produzida em Portugal e a primeira com realização de Nicolau Breyner. A estreia de Tozé Martinho como protagonista far-se-ia nessa novela que em horário nobre substituiu Chuva na Areia, de Luís de Sttau Monteiro, e precedeu o sucesso importado que foi Roque Santeiro. Antes dele, apenas Nicolau Breyner, Ruy de Carvalho, Curado Ribeiro, Nuno Melo e José Viana o haviam logrado, daí que não se estranhe que neste domingo, ao receber-se a notícia da sua morte, tenha sido descrito como um dos primeiros galãs da televisão portuguesa.
Mas não se ficaria por aí. Tozé Martinho não levaria nem dez anos a juntar-se ao grupo dos criadores de novelas que à época incluía nomes como Francisco Nicholson, Nicolau Breyner, o já referido Sttau Monteiro, Rosa Lobato Faria ou Ana Zanatti. Marcelo referiu-se a ele como “um dos atores e guionistas portugueses mais ativos”. E vamos então ao segundo início dessa história.
Logo nos primeiros dias de 1996, o então Canal 1 estreava Roseira Brava, a primeira novela de que foi coautor, com Sarah Trigoso e Cristina Aguiar, e com realização de Jorge Paixão da Costa e Álvaro Fugulin. Ao lado de Marques D’Arede, Manuela Santos e Patrícia Tavares entre os protagonistas, Tozé Martinho interpretava o médico Francisco António Barbosa Botelho, cuja condenação a uma pena de oito anos de prisão por homicídio de um paciente fazia as primeiras cenas.
À criação de Roseira Brava seguiu-se a de várias outras novelas, incluindo várias das que continuam até hoje no imaginário coletivo português, como Todo o Tempo do Mundo, Olhos de Água e Dei-te Quase Tudo. Primeiro na RTP, depois na TVI, Tozé Martinho foi o criador (nalguns casos cocriador) de todas elas. A última foi Louco Amor (2012-13), transmitida pela TVI, na qual desempenhou também um papel. Pela mesma altura escreveu, com Rute Moreira e Rita Martinho, sua filha, também o telefilme Ela por Ela, realizado por Nuno Franco.
Depois disso, ao cabo de um interregno de cinco anos, fez o seu regresso ao pequeno ecrã como parte do elenco da série Sara, da autoria de Marco Martins, o realizador de Alice e São Jorge, Bruno Nogueira e Ricardo Adolfo. Pode olhar-se como uma homenagem ao homem que neste domingo José Eduardo Moniz notava como tendo marcado “uma era da televisão em Portugal” a participação de Tozé Martinho nessa série que, estreada no IndieLisboa antes de chegar à RTP2, em 2018, faz uma sátira do panorama audiovisual televisivo. A história era a de uma atriz de cinema (Beatriz Batarda) que tinha deixado de conseguir chorar. E, ao lado de Nuno Lopes e de Leonor Silveira, Tozé Martinho interpretava Afonso D’Orey, um dos atores da novela em que a atriz acaba por aceitar participar.
Mas vamos lá atrás, ao início, a 1947, o ano em que nasceu, a 5 de dezembro, em Lisboa, António José Gonçalves de Oliveira Martinho, filho do médico António Caetano de Oliveira Martinho e da atriz Maria Teresa Ramalho, conhecida como Tareka, irmã da escritora Isabel da Nóbrega, companheira de José Saramago entre as décadas de 1970 e 80.
A mãe, a quem sobreviveu apenas dois anos (Maria Teresa Ramalho morreu em janeiro de 2018, aos 90 anos), viria a ter um papel fundamental no rumo que viria a tomar a sua carreira. Foi cavaleiro tauromáquico e frequentou dois cursos – Medicina Veterinária e Economia -, que nunca concluiu. E foi depois de participar com ela n’A Visita da Cornélia, aos 30 anos, que decidiu dedicar-se à representação.
Para lá da representação, da autoria e da escrita de telenovelas sobretudo, mas também de telefilmes, publicou ainda dois livros: Coisas do Dinheiro (1983), um livro de contos, e Dá-me Apenas Um Beijo (2003). Mas ao longo da vida não se dedicou apenas à escrita e à representação. Foi militante do PSD, partido pelo qual chegou a concorrer, em 2009, à Assembleia Municipal de Benavente.
A notícia da sua morte, no Hospital de Cascais, para onde foi transportado e acabou por morrer vítima de uma paragem cardiorrespiratória, foi dada neste domingo ao final da tarde pela SIC Notícias e confirmada pela TVI junto dos familiares do ator, que no início do passado mês de novembro tinha sofrido uma aparatosa queda que obrigou a uma intervenção cirúrgica no colo do fémur. Foi já depois disso que completou, longe dos ecrãs, 72 anos.