Empréstimo de obras de arte a hotel deixa Direção Geral debaixo de fogo

 O empréstimo de cerca de meia centena obras do Estado a uma unidade do grupo hoteleiro Vila Galé está a suscitar dúvidas e indignação. 

Depois de o desaparecimento sem deixar rasto de 112 obras da coleção de arte da Secretaria de Estado da Cultura ter levado a ministra da Cultura a solicitar ao Ministério Público a abertura de uma investigação, uma nova polémica envolve a Direção-Geral do Património. O empréstimo de cerca de meia centena obras do Estado a uma unidade do grupo hoteleiro Vila Galé está a suscitar dúvidas e indignação. O PCP, que denunciou a situação, pediu uma audição parlamentar a Graça Fonseca para esclarecer as dúvidas acerca do procedimento – e o pedido foi aceite. Os comunistas consideram que a situação é «gravíssima» e pode configurar uma «apropriação de património público para fins privados».
As peças – eminentemente acessórios equestres – integram a coleção Rainer Daehnhardt (adquirida pelo Estado ao historiador, colecionador e antiquário luso-alemão) e encontram-se em depósito no Museu dos Coches. Se o processo seguir em frente passarão a fazer parte da decoração do novo hotel Vila Galé na antiga coudelaria de Alter do Chão (Portalegre), que por sua vez também foi concessionado pelo Estado por 50 anos no âmbito do REVIVE, um programa destinado a recuperar, dinamizar e rentabilizar património arquitetónico público em mau estado através da concessão a privados.

Cedências não ficam por aqui
Uma das vozes mais críticas do despacho ministerial que determina a cedência das obras ao hotel Vila Galé foi a de Luís Raposo, presidente do ICOM Europa (Conselho Internacional de Museus) e antigo diretor do Museu Nacional de Arqueologia.

No artigo de opinião com o título ‘Património Cultural: e, de súbito, o impensável’, no Público, Raposo constatava que «enquanto uma ministra participa à polícia o desaparecimento de obras de colecções públicas […], a secretária de Estado prossegue caminho contrário e coloca colecções públicas em grande risco, entregando-as a provados e ao serviço de apenas alguns».

À Lusa, a secretária de Estado, Ângela Ferreira (sem relação com a artista homónima) explicou que «as obras continuam sob património do Estado, de onde nunca vão sair» e que só serão cedidas caso se verifiquem todas as condições para a sua salvaguarda e preservação. Avançou ainda que, além desta, haverá mais cedência de obras para outros projetos do REVIVE. «Será permitido aos concessionários poderem fazer exposições temporárias destas obras no seu empreendimento turístico, desde que asseguradas todas as condições técnicas necessárias para este tipo de exposição».

Interesses imobiliários?
No seu artigo de opinião no Público, Luís Raposo pôs também em causa a escolha recente do gestor Bernardo Alabaça para liderar a Direção-Geral do Património Cultural. «A nomeação […] de um técnico imobiliário, sem qualquer currículo atendível, para diretor-geral desta área (e de dois novos subdiretores-gerais, também aparentemente sem currículo credível), fala por si mais do que mil palavras». Oarqueólogo concluía: que «afinal não era apenas um museu e um hotel que estavam em causa;era a captura de toda a área do património cultural pelos interesses da rentabilização imobiliária».

Já o Governo justificou em comunicado a escolha da nova equipa com a «implementação de um novo ciclo de políticas públicas para o património cultural e para as artes».

Além da antiga Coudelaria Nacional, o programa REVIVE envolve vários outros imóveis de interesse histórico e cultural – como o castelo de Cerveira, o quartel da Graça (Lisboa) e o mosteiro românico de Amarante – que serão convertidos para fins turísticos. A lista inicial incluía ainda o Forte de Peniche, mas a forte contestação obrigou o Governo a recuar, ficando decidida a instalação do Museu Nacional Resistência e Liberdade.