Aprovada a despenalização da eutanásia na generalidade, os trabalhos nas próximas semanas no Parlamento vão debruçar-se sobre os detalhes – e tentar encontrar um texto de consenso. Quantas vezes o doente tem de reiterar o pedido, onde poderá ser dada a medicação letal – o diploma do PEV é o único restringe a opção ao SNS mas hospitais privados e do setor social já recusaram a prática, incluindo as Misericórdias – e de que modo será conciliada a vontade do doente com o acesso a cuidados paliativos são algumas diferenças. Neste ponto, o projeto da Iniciativa Liberal é o único que estabelece que deve ser garantido aos doentes que pedem a eutanásia que, como alternativa à antecipação da morte, têm acesso a cuidados paliativos. Mas são vários os apelos para que a lei seja reforçada nesse ponto.
Conceitos ambíguos
Nos pareceres já recebidos pelo Parlamento, que poderá promover novas audições, há mais alertas. O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que deu parecer ético desfavorável às cinco iniciativas e considera que há falta de estudos, salienta a ambiguidade de conceitos como ‘lesão definitiva ou doença incurável’ e o ‘sofrimento extremo’. Defende ainda a abordagem multidisciplinar e considera excessivo que a intervenção dos enfermeiros aconteça sob ‘supervisão médica’, o que já tinha sido criticado pela Ordem.
Os pareceres do que CNECV consideram também que «não é eticamente aceitável» definir um modelo organizacional sem a segura garantia de que pode ser operacionalizado em todo o território, alegando que não há estudos sobre quantos médicos e enfermeiros quererão intervir. Esta semana, foi conhecido um estudo do IPO do Porto: entre 1148 médicos inquiridos, mais de um terço admitiu que o faria, revelou o Público.
Proibir negócio
Apenas um conselheiro do CNECV votou contra os pareceres desfavoráveis, André Dias Pereira. Na declaração de voto, que o SOL consultou, o jurista e especialista em direito da Saúde contraria os argumentos ratificados pela maioria dos conselheiros, dizendo mesmo que «em honestidade intelectual, (e ao contrário do que resulta do texto dos Pareceres) deveremos admitir que, em alguns (ou em muitos) casos, um pedido repetido de eliminar o sofrimento pode passar pela genuína, livre e esclarecida decisão radical de pedir a morte». Para Dias Pereira, «negar a despenalização e a regulação da ‘ajuda à morte’ pode ser visto como uma forma de autoritarismo de Estado que impõe um certo modo de ver a morte».
O jurista deixa contudo propostas concretas, nomeadamente que a lei estabeleça a gratuidade da eutanásia, para acautelar situações de possível negócio. Para Dias Pereira, a lei poderia proibir honorários por esta prática e assim impedir que no futuro o ato fosse cobrado. Na Holanda, uma clínica cobra 3000 euros pelo processo. Já na Suíça, o suicídio assistido – a que já acorreram pelo menos nove portugueses nos últimos anos – pode custar 10 mil euros. Outra proposta de Dias Pereira é que a lei preveja uma revisão ao fim de sete anos.
Direito a seguros?
Outro tema suscitado nos últimos dias é o direito de familiares a receberem prémios seguros de vida, o que não está acautelado nos projetos. A Associação Portuguesa de Seguradores lamentou não ter sido ouvida.