«A aprovação dos outros é um estímulo, mas por vezes é bom desconfiar dela».
Cézanne
Os episódios ocorridos na segunda parte do jogo de futebol entre o Vitória de Guimarães e o Futebol Clube do Porto, no domingo passado, com manifestos comportamentos racistas contra o jogador Marega, não são apenas uma vergonha que qualquer cidadão medianamente formado deve condenar.
São também, acima de tudo, uma consequência do que está a ser alimentado nos últimos meses por político(a)s que, no espaço mediático, cavalgam ondas de intolerância e radicalismo em relação a sentimentos de pertença e de identidade.
O caso Marega é um exemplo do que hoje é possível que aconteça no nosso país em relação a estas matérias, com comportamentos radicais (e, como já referi, protagonizados por políticos com responsabilidades públicas, como são os casos de André Ventura e Joacine Katar Moreira).
Dir-me-ão: em Portugal sempre existiu racismo, mas este esteve escondido e muita gente tem tido vergonha e, consequentemente, recato para o exteriorizar com convicção. Talvez. Mas, como já referi várias vezes, quando essa minoria semi silenciosa perde a vergonha e se solta, dando voz a manifestações de intolerância, de extremismo, Portugal e os portugueses têm de condenar tudo isso e tomar as medidas necessárias para que tal não volte a acontecer, sob pena de o nosso país se transformar num país onde o racismo, a xenofobia, os extremismos, tenham ‘caminho’ para crescer ainda mais, não só no desporto mas em outras áreas da nossa vida coletiva.
Por isso, o caso Marega tem de ser tratado como um caso grave. E levado até às últimas consequências. Tudo tem de ser investigado e percebido. O Vitória de Guimarães tem de colaborar em toda a investigação e fornecer toda a matéria de prova e de informação que disponha. Se as conclusões forem claras, com a identificação dos autores da prática dos insultos, e se forem adeptos do Vitória de Guimarães, não só as autoridades judiciais mas também o próprio clube devem ter mão pesada. Incluindo a expulsão de sócios.
Este caso Marega, com a dimensão mediática que atingiu em todo o país, deve servir para não irmos na onda de que não é grave. De que se trata de meros desabafos feitos a quente. Não. Não nos devemos remeter ao silêncio. Isso é o pior que podemos fazer. Porque só contribuiremos para ampliar uma ideologia mãe da intolerância e da estigmatização. Das diferenças de cor, de religião e sabemos lá mais do quê!
Este episódio, infelizmente, não me surpreende. Antes pelo contrário. Porque nos últimos meses no nosso país tem vindo a ser criado um caldo mediático para que casos como este aconteçam. As contendas primárias, verbalizadas com recurso às tiradas generalistas, são um caminho fácil para exteriorizar frustrações primárias, más formações pessoais e de personalidade. São o fuel, o alimento para exteriorizar frustração e desculpas por vidas frustradas.
É nestes momentos que devemos ser intransigentes nas nossas convicções. De humanismo. De personalismo. De tolerância. De reconhecimento que a defesa dos direitos humanos não se compadece com a aceitação destes comportamentos.
Portugal não é racista. Apesar de haver nostálgicos do antigo regime e defensores de tempos idos do colonialismo. Portugal não é nacionalista radical. Mesmo tendo uma extrema-direita que é nostálgica e defensora de um Portugal colonialista extremista. Infelizmente alimentada também pela extrema-esquerda.
Faz todo o sentido que se enfatize que o Portugal dos nossos tempos não é um Portugal sectário e defensor das diferenças entre pessoas de cores diferentes e de religiões diferentes. Portugal é, à escala europeia e mundial, um país carregado pela positiva, através dos séculos, de relacionamentos com vários povos em vários países. Somos há já alguns anos o segundo país com melhor política pública de integração de imigrantes.
O racismo não faz nem pode fazer parte do nosso código genético. Antes pelo contrário. Daí que casos como o de Marega devam servir de alerta geral. Contra o que Portugal não pode ser: um país intolerante e fora do circuito dos países e povos que observam as melhores práticas de relacionamento entre pessoas de diferentes cores e credos.
P.S. – Despeço-me dos que me têm lido nos últimos três anos, aqui no SOL, na rubrica titulada Olhar ao Centro. Foram 165 crónicas em que procurei, com cunho pessoal, frontalidade e coerência, tratar uma multiplicidade de temas da atualidade. Um ciclo que, como outros de colaboração na comunicação social nas últimas décadas, termina. Outros se abrirão, estou certo, como tem acontecido, após o tradicional tempo de retirada. A par de outros desafios e responsabilidades profissionais, académicas e cívicas dentro e fora do nosso Portugal.
olharaocentro@sol.pt