A agenda mediática impõe que nos ocupemos todos das situações limite, do rompimento das fronteiras civilizacionais, dos saltos no escuro.
Como se de repente encontrássemos uma forma de exautorar todos os fantasmas, alguns propõem-se reconhecer o direito dos direitos.
Ou, precisando melhor, o direito contra o direito.
O direito a escolher a morte matando o direito à vida.
Em casos limitados, defende-se; com todas as garantias, propõe-se; com o fundamento de quem se liberta, afirma-se.
A força comunicacional do tema e da proposta é tão grande, tão intensa, tão sufocante, que emudece os discordantes, limita-os, torna-os inimigos do progresso.
É como se uma outra forma de racismo se afirmasse dividindo entre quem pensa de um modo e tem a cor da pele conveniente e quem pensa de outro e tem a cor da pele inconveniente.
Apesar de tudo, porque há outro tipo de diferenças e porque a ideia não é fácil de vender, são vários os projetos que se apresentam para criar a nova lei.
Em algum momento da história houve quem procurasse ajuda para o tratamento de questões como esta.
A escolha foi a criação de um Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida.
Compete-lhe dar pareceres. Habilitar a decidir em consciência.
Nenhum dos projetos apresentados consegue dele senão um parecer desfavorável.
E a fundamentação é de tal sorte que qualquer um perceberá como, aprovados eles, estaremos enterrados em areia movediça.
Os defensores do novo direito sentem que pretendem colocar o país no leque dos mais evoluídos, mesmo que poucos, muito poucos, pouquíssimos.
Ao menos num pormenor conseguiremos estar ao seu nível.
Podem ser mais ricos, mais bem sucedidos, melhor governados.
Assim cortaremos a curva por dentro e ao seu lado ficaremos.
É certo que um número muito reduzido de portugueses terá acesso a um caminho complexo e exigente.
Tão complexo e exigente que não pode ser para todos.
A eutanásia popular corresponde à caricatura do capitalismo popular.
Que preocupações outras terão eles? Porque se irão alhear deste problema?
Pura e simplesmente porque a sua principal preocupação é sobreviver, ter saúde, ser tratado, evitar a morte.
Ou porque procuram desesperadamente a dignidade bastante para viver a sua vida.
Ou porque a sua luta é contra os obstáculos, as dificuldades, as portas fechadas, a exclusão.
A afirmação do seu heroísmo realiza-se no facto de estar vivo, de não perecer na espera das urgências, de não morrer só e abandonado.
Então, a pergunta nascente será: porquê esta prioridade e não todas as outras?
E a resposta ouvida: porque sim.
De resto, devemos sempre ter em conta a profundidade da frase de um senhor Secretário de Estado aplicada aos pássaros do Montijo confrontados com os aviões.
«Não são estúpidos e é provável que se adaptem».
Acontecerá o mesmo a muitos deputados de vários grupos parlamentares.
Bastará fechar os olhos e pensar que a eutanásia é o tema dos temas.
Um dia, aquilo que verdadeiramente nos deixa para trás irá acordá-los.
Adaptar-se-ão ainda melhor.