Muita tinta correu com a gerência de Nuno Artur Silva na RTP, quando acumulava no seu portfólio profissional as Produções Fictícias, já que, acusavam-no, podia encomendar trabalhos a si próprio para o canal público.
Nuno Artur Silva sempre se recusou a vender a sua participação nas Produções Fictícias enquanto se manteve na RTP, mas, quando foi convidado para o cargo de secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, aceitou fazê-lo. Só que Nuno Artur Silva pode não ter ficado afastado da produtora de conteúdos durante muito tempo, pois o secretário de Estado deu dois anos aos compradores para pagarem as quotas cedidas. Entre os compradores encontram-se o sobrinho e a mulher deste. Caso os compradores não paguem o combinado, o negócio pode ser revertido.
E são os negócios entre as Produções Fictícias e o canal público que continuam a agitar as águas. O SOL sabe que as Produções Fictícias apresentaram dois projetos à atual direção do segundo canal, Teresa Paixão: Fascínio das Histórias, que ficou em 20 mil euros e já foi emitido; e Encarregados de Educação, no valor de 390 mil euros, mais acesso aos arquivos da RTP – esta série humorística terá 13 episódios de 15 minutos cada e está ainda em avaliação.
A administração do canal público defende-se: «Todos os anos a RTP promove duas consultas de conteúdos, uma para projetos de ficção e outra para documentários, onde dezenas de produtores independentes apresentam os seus projetos aos vários diretores de canal da RTP. No âmbito das consultas de conteúdos de 2019 a RTP 2 manifestou interesse e adquiriu o documentário O Fascínio das Histórias, que as Produções Fictícias apresentaram e que teve o apoio da Fundação Gulbenkian. A Gulbenkian estreou-o e a RTP 2 emitiu-o, depois, no final de 2019».
Quanto aos valores envolvidos, o canal público recusa-se a revelá-los. Já sobre a série humorística de 13 episódios, fonte oficial do canal público, avança: «A RTP 2 manifestou igualmente interesse numa série de ficção de humor, de 13 episódios, apresentada pelas Produções Fictícias, projeto que ainda está em desenvolvimento».
Secretário de Estado pode ganhar com negócios
Recorde-se que no contrato de cessão de quotas efetuado por Nuno Artur Silva e a sua mulher ficou estipulado o seguinte: «A quota A é cedida pelo preço correspondente ao seu valor nominal, a pagar pelo Cessionário André Caldeira ao Cedente Nuno Artur Silva no prazo de dois anos a contra da presente data, em uma ou mais tranches de acordo com a disponibilidade do primeiro».
Mas, mais à frente no contrato, também fica a saber-se que o atual secretário de Estado pode beneficiar dos contratos que as Produções Fictícias façam este ano já que «em complemento dos montantes referidos nos números anteriores, o Cedente Nuno Artur Silva terá ainda direito a receber o montante adicional de 20 mil euros, a título de preço adicional, caso se verifique alguma das seguintes situações: O resultado líquido da Sociedade referente ao exercício de 2020 seja superior a 40 mil euros; A Sociedade seja dissolvida até 31 de dezembro de 2020».
Note-se que, caso as Produções Fictícias não paguem a Nuno Artur Silva no tal prazo de dois anos, este voltará a readquirir a titularidade da empresa. A este propósito, João Paulo Batalha, presidente da Associação Transparência e Integridade, disse ao jornal i, na altura da concretização do negócio, três dias antes de Artur Silva assumir o cargo governamental, que «estar a vender a amigos, ou no caso, a familiares, nada impede que venha a readquirir a participação. Existe o risco teórico, com certeza, mas existe».
Comissão de Trabalhadores fica sem resposta
Certo é que o negócio também não passou ao lado da Comissão de Trabalhadores (CT) que nunca carta aberta (ver caixa) questiona o Conselho de Administração (CA) no ponto 10: «Contratos recentemente assinados entre Produções Fictícias e a RTP. Visto não estar ainda confirmada, ao menos publicamente, a consumação da venda daquela produtora, anteriormente pertencente ao secretário de Estado Nuno Artur Silva, a CT requer ao CA informação sobre o objeto desses contratos, os prazos de execução previstos e os valores que envolvem».
Os trabalhadores ficaram sem resposta, mas, ao SOL, Nélson Silva, porta-voz da Comissão de Trabalhadores, disse: «Chegou-nos essa informação de que haveria um reatar de contratos com a Produções Fictícias. É a pergunta que colocámos ao CA e que, mais uma vez, está sem resposta (…) Se o CA se recusar a responder de forma cabal a esses pontos [11], é o assumir o que aí está como uma verdade».
O SOL sabe que no interior do canal público fala-se ainda de um terceiro negócio, cujo o argumento é de Virgílio Castelo, e que poderá vir a ser produzido pela antiga empresa do atual secretário de Estado. Sangue dos Bastardos é o nome do projeto e custará 600 mil euros. Ao SOL, fonte oficial da RTP diz que é totalmente falso que exista este projeto. Também o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) desmente que as Produções Fictícias tenham apresentado alguma candidatura para tal projeto: «Não existe qualquer candidatura da produtora Produções Fictícias apresentada aos concursos do ICA. Donde, o referido projeto não foi objeto de análise por parte deste Instituto».
Posteriormente, quando questionado sobre se o pedido estaria em nome de Virgílio Castelo, o ICA já não respondeu (pelo menos, até à hora de fecho da edição).