Falo dos que exercem o poder em nome do povo: deputados, membros do Governo, autarcas… No dizer de Eça de Queiroz, «os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do país» (in Uma Campanha Alegre).
No entanto, é aos que avançam, quando todos recuam, que devemos o funcionamento da democracia. A eleição dá-lhes o palco com que sonharam, mas expõe-nos a julgamentos sumários de plateias que preferem a subjetividade, às vezes o fanatismo, à isenção. Acreditando que ‘o valor das ações está nas intenções’, estou grato aos que me representam e honram o mandato recebido.
Nesta perspetiva, Portugal arrasta uma dívida antiga para com os que nos deram a Constituição. Foram, seguramente, os mais puros dos eleitos. Mas entre eles também havia os que tinham objetivos escondidos – como o de sabotarem os trabalhos de modo a perpetuarem o ‘poder popular’ que lhes servia para se apropriarem de empresas, imóveis, terras, máquinas e gado. Tivessem conseguido prolongar a ‘bagunça’ e teria havido fuzilamentos no Campo Pequeno. O tempo, supremo arquiteto, ainda não pôs cada pedra em seu lugar.
Depois do ‘dia inicial, inteiro e limpo’, muita coisa aconteceu, de bom, de mau e de péssimo, em Belém, em São Bento, nos ministérios e nas autarquias, mas não chegou para manchar o trabalho dos que não tinham outra agenda senão a do ‘bem comum’.
Se alguma culpa pode ser assacada aos que honradamente serviram a causa pública, é a de não terem denunciado as ovelhas negras que a seu lado traíam o juramento do ato de posse. Aqui, o tempo já fez o seu trabalho… a Justiça é que não fez o dela: os que, em Lisboa, Braga, Matosinhos ou Macau deitaram a mão ao que não lhes pertencia, já estão no ‘quadro de desonra’, só não foram julgados e sentenciados.
Paradoxalmente, os portugueses contemporizam com um estado de coisas que, privadamente, criticam. Sem tradição de participação na vida pública, não se informam, não discutem, não militam, fogem de tudo o que é civicamente relevante, preferindo reservar tempo e energias para os ‘dramas’ do futebol e das novelas.
Numa democracia perfeita, os que preferem o conforto do sofá à participação cívica perderiam o direito à crítica. Em Atenas, ainda se tentou algo do género, mas isso foi há 2.500 anos. A partir daí, com a possível exceção da Revolução Francesa, não se conseguiu inverter o plano inclinado que trouxe a civilização ao alheamento que explica o veredicto das conversas de café – «são todos iguais» –, que produz um nivelamento que põe os bons sob suspeita e desculpabiliza os maus.
Observador arguto e impiedoso, Eça de Queiroz zurziu a eito ministros, deputados, fidalgotes emproados e, até, o presidente da Companhia das Águas: a ‘vergonha da Nação’! Seu contemporâneo, Oliveira Martins não nos diverte tanto mas ensina mais e melhor: que os que estão no palco não são, todos eles, «os corruptos e os esbanjadores da fazenda», e os que se sentam na plateia também não são, forçosamente, os «salvadores da causa pública».