Depois de sofrerem endoutrinação política em campos de detenção e serem obrigados a abandonar a sua religião – muitas vezes à força de tortura – mais de 80 mil uigures foram postos a trabalhar em fábricas por toda a China: o que produzem vai parar à cadeia de fornecedores de marcas como a Apple, Gap, Samsung, Volkswagen, Sony e Nike. A acusação partiu do Instituto Australiano de Política Estratégica (ASPI). Pelo menos 83 empresas internacionais terão beneficiado dos abusos de Pequim contra os uigures, uma minoria muçulmana de língua turcomana, centrada na província de Xinjiang, no noroeste da China.
Desde 2017, estima-se que mais de um milhão de uigures – quase um décimo desta etnia – tenham sido detidos. O Governo chinês fala em campos de “reeducação”, para prevenir os chamados “três males”, ou seja, o “separatismo, terrorismo e extremismo religioso”. Afinal, historicamente, as exigências de independência dos uigures de Xinjiang sempre foram uma dor de cabeça para Pequim.
Os abusos nesses campos de “reeducação” estão bem documentados, desde espancamentos, a eletrocussão ou longos períodos de isolamento. Mas a violência não é arbitrária: pretende “lavar cérebros, limpar corações, apoiar o certo, apagar o errado”, lia-se num relatório do Ministério da Justiça de Xinjiang, citado pela Associated Press.
Agora, a campanha de Pequim contra os uigures entrou numa nova fase: o Governo chinês assegurou no início do ano que todos os “formandos” já “concluíram a formação”. O relatório da ASPI indica que os mais de 80 mil uigures enviados para fábricas estão a fazer trabalhos forçados – já Pequim fala em “treino vocacional”, um programa a que chamam Ajuda a Xinjiang.
Por exemplo, numa fábrica em Laixi, no leste do país, trabalham cerca de 600 uigures. Estão longe de casa, cercados por arame farpado, polícia, câmaras de vigilância, e torres de vigia. De dia fazem sapatos – esta fábrica produz mais de sete milhões de pares de ténis Nike por ano – e de noite recebem “educação patriótica” ou aulas de mandarim. “O currículo espelha de perto o dos ‘campos de reeducação’ de Xinjiang”, lê-se no relatório think-tank australiano.
Em Laixi, os trabalhadores uigures são segregados dos seus colegas han – a principal etnia chinesa – e proibidos de praticar a sua religião ou visitar a família. “Podemos andar por aqui, mas não podemos voltar [a Xinjiang] sozinhos”, contou uma trabalhadora ao Washington Post, à porta da fábrica, antes de se afastar apressadamente.
Segundo a ASPI, o cenário será semelhante em pelo menos outras 26 fábricas, em nove províncias chinesas – o think-tank australiano encontrou indícios de que intermediários e funcionários locais “são pagos à cabeça” por cada trabalhador uigur. “É realmente claro que a expropriação dos uigures e outras minorias étnicas de Xinjiang também têm um carácter muito forte de exploração económica”, explicou à BBC um dos autores do relatório, Nathan Ruser.