Uma auditoria do Tribunal de Contas aponta falhas e irregularidades à gestão do Hospital das Forças Armadas (HFAR), dos procedimentos de verificação de contas à contratação de pessoal, passando pela própria governação da instituição. Os relatores consideram que há indícios de infrações financeiras na aquisição de serviços médicos e de tecnologias de informação e comunicação e admitem que, por falta de controlo, possa estar a haver uma duplicação de gastos por parte do subsistema de saúde dos militares, ao qual o hospital fatura cuidados. Foi ainda detetada faturação indevida de 1,7 milhões ao Instituto de Ação Social das Forças Armadas, I.P. (IASFA), que gere a Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM).
A auditoria abrange o período entre 2015 e 2018 e começa por apontar insuficiências nas práticas de gestão no hospital, revelando que não há auditorias internas por parte do Estado-Maior-General das Forças Armadas e do HFAR. Não existe também planeamento estratégico e suficiente reporte anual da atividade e resultados, incluindo financeiros.
Para o TdC, a elevada rotatividade dos cargos de direção e chefia, que alternam pelos diferentes ramos das Forças Armadas, prejudica a estabilização de processos. Em termos de atividade, o TdC considera que existe, por um lado, um recurso elevado a prestadores de serviços e, por outro, um subaproveitamento da capacidade instalada, pondo mesmo em causa a continuidade da urgência no Polo do Porto, dada a reduzida procura. O TdC diz também que as colaborações com o SNS, que podiam melhorar os resultados, ficam aquém do esperado.
É nas ocasiões em que o hospital tem de recorrer a terceiros para prestar cuidados aos seus utentes que surgem dúvidas sobre o controlo da faturação. De acordo com a auditoria, entre 2016 e 2019, o hospital recorreu a 60 unidades de saúde do setor privado e social, das quais 31 também têm convenção com a ADM. Na auditoria pode ler-se que “nem o IASFA nem o HFAR instruíram procedimentos para eliminar o risco de sobrefaturação”. O risco é o subsistema de saúde dos militares estar a ser duplamente onerado pela prática dos mesmos atos, por parte do hospital e por parte das unidades convencionadas. Testes de uma auditoria anterior alargados ao ano de 2018 e a estas 31 entidades revelaram que o HFAR faturou ao IASFA 98 episódios de internamento, no montante de 335,4 mil euros, no decurso dos quais, relativamente aos mesmos utentes e em períodos coincidentes, outras entidades faturaram ao IASFA 159,8 mil euros. Quanto à faturação indevida do hospital ao IASFA, já detetada numa auditoria anterior, ela prende-se com o incumprimento das tabelas e regras da ADM. Admitindo que alguns casos podem já estar resolvidos, o tribunal alerta que é preciso corrigir o sistema de faturação.
As infrações financeiras na celebração de contratos prendem-se, por sua vez, com o incumprimento de normas de contratação pública e o TdC considera que existem mesmo “indícios de concertação entre as empresas concorrentes, tendo-se constatado a continuidade dos mesmos técnicos/trabalhadores a prestar serviços no HFAR, a coberto de empresas com denominações distintas”.
A auditoria deixa recomendações ao ministro da Defesa que passam pela conclusão da reforma do sistema de saúde militar e pela alteração da governação e gestão no hospital. Ao chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas é recomendado que imponha regras de contabilidade organizada, mas que também proponha ao SNS a participação do hospital no programa de cirurgias do SNS, para maior aproveitamento da capacidade instalada.