A decisão de decretar estado de emergência está nas mãos do Presidente da República e o Governo tem sublinhado a necessidade de ponderação nos próximos passos. Com a epidemia de Covid-19 a entrar na terceira semana em Portugal, o Governo tornou ontem a apelar à população para que evite contactos sociais e grandes aglomerações, mas mantém que medidas mais restritivas têm de ser tomadas no tempo certo. A ministra da Saúde comparou a situação à II Guerra Mundial: “Mesmo quando Inglaterra esteve a sofrer ataques aéreos os ingleses mantiveram-se a trabalhar. Não podemos interromper a nossa vida social, não podemos ficar sem pão, sem água, sem energia, temos de manter comportamentos apropriados ao momento que vivemos. A gravidade deve fazer com que todos reflitam sobre o que é esperado de cada um”, disse Marta Temido.
Ao início da noite, o primeiro-ministro transmitiu a mesma preocupação. No dia em que foi confirmada a primeira morte por Covid-19 em Portugal, um doente de 81 anos internado no Hospital de Santa Maria, António Costa apresentou as condolências à família e disse que este é um desafio que é preciso enfrentar com “a consciência de que é preciso dar tudo por tudo para salvar as vidas mas também tendo a consciência de que temos de preservar a vida porque todos nós temos de continuar a viver”, afirmou. “É por isso que as medidas têm de ser tomadas em função da necessidade concreta em cada dia”.
Depois do encerramento generalizado de escolas esta segunda-feira, mas também de bares e acessos condicionados a grandes superficies e farmácias, a fronteira com Espanha passou também a estar condiconada, com nove pontos de entrada, e o fim de visitas de turismo e lazer. Mas têm-se sucedido apelos para que o Governo vá mais longe, do ex-ministro Adalberto Campos Fernandes ao presidente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Fausto Pinto. Também de médicos que têm acompanhado no terreno os primeiros casos, com pelo menos dois textos publicados nas redes sociais nesse sentido, para que o Executivo procure evitar ao máximo uma situação como a italiana. O presidente do Centro Hospitalar do São João defende também que o país deve tentar antecipar-se à epidemia. “A tomarmos medidas mais exigentes, o tempo é agora. Ao contrário de outros fenómenos em que podemos ir balanceando as medidas à medida dos acontecimentos, numa epidemia deste tipo temos de implementar as medidas antes das situações ocorrerem ou elas deixam de ter significado”, defendeu ontem ao i Fernando Araújo, considerando os timings desta crise implacáveis.
Para o ex-scretário de Estado da Saúde, devia procurar impor-se desde já restrições mais exigentes que possam limitar a transmissão na comunidade. No São João, onde ontem estavam internados mais de 130 doentes que testaram positivo para o novo coronavírus, a preocupação tem sido também ir avançando com medidas em antecipação da epidemia. No domingo, dada a previsível evolução da situação no país, foi decidido que todos os profissionais de saúde passariam a usar máscara em todos os contactos com os doentes e a medida entrou em vigor esta segunda-feira. Foram também reforçadas orientações aos profissionais para procurar mitigar o risco de contágio e reforçar a confiança no trabalho que têm pela frente. O hospital está ainda a duplicar a capacidade em cuidados intensivos prevendo-se um aumento substancial de casos entre esta semana e a próxima e criou novas ferramentas de gestão interna dos casos, como uma atualização online da evolução da situação e um sistema de envio de sms aos doentes quando o resultado da análise for negativo. Ontem a DGS emitiu novas orientações para a fase de mitigação, que estabelecem que todos os hospitais devem preparar espaços separados para receber casos de Covid-19 e também que durante a pandemia o uso de máscara deve ser alargado a todos os profissionais. Vieram também a público diferentes preparativos que estão a ser feitos pelos hospitais e autarquias, que ativam os seus planos de contingência e podem prever diferentes tipos de resposta, de tendas a instalações adaptadas para rastreios ou internamento. Em Torres Vedras, em articulação com a autarquia e os hospitais públicos e privados do município, foram equipados dois pavilhões para o possivel internamento de doentes de Covid-19, confirmou ontem ao i o comandante da proteção civil municipal, Fernando Barão.
O último balanço da Direção Geral da Saúde dava conta de 331 casos confirmados e 374 aguardavam resultados laboratoriais, sendo que as previsões matemáticas com base no crescimento dos últimos dias sugerem que o país passe esta terça-feira a barreira dos 500 casos. Três doentes tiveram alta e ontem estavam em cuidados intensivos 18 pessoas. Os dados da DGS revelam 31 casos em crianças e jovens até aos 19 anos, o que para já são mais casos confirmados entre jovens do que sugeriu a análise da Organização Mundial de Saúde sobre a epidemia em Wuhan, que dava conta de uma taxa de infeção de 0,2% dos 0 aos nove anos e 1,2% dos 10 aos 19 (em Portugal representam mais de 8% dos casos confirmados). O maior número de casos em Portugal nesta fase verifica-se em pessoas entre os 40 e os 49 anos e há 40 doentes com mais de 70 anos, a faixa etária onde a doença é mais grave.