Em algumas horas, a avaliação política do estado de alerta no país (por causa do Covid-19) teve algumas mudanças, com introdução de medidas mais restritivas, duas videoconferências, entre Belém e São Bento e os chefes de Governo de Portugal e Espanha. O resultado final é este: Portugal e Espanha terão restrições nas fronteiras “seguramente pelo período superior a um mês de forma a garantir que cobre o período da Páscoa”, avisou António Costa, numa resposta a uma pergunta dos jornalistas a partir de São Bento.
As restrições no combate à pandemia do Covid-19 são sobretudo para o lazer, o turismo propriamente dito. De resto, mantém-se a liberdade de circulação de mercadorias, e também de trabalhadores, sobretudo nas zonas raianas. Quanto às fronteiras aéreas ou marítimas, o tema será avaliado hoje nas teleconferências a nível europeu, designadamente entre ministros. Ou seja, hoje poderão ser conhecidos mais detalhes de uma resposta que se torna cada vez mais musculada.
E o estado de Emergência, sugerido pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, e admitido próprio presidente do PSD, Rui Rio, ontem no Twitter? O tema foi discutido na conversa por videoconferência ontem à tarde entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, mas o ónus da decisão está nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa. A única certeza é que o Governo “não colocará qualquer reserva”. A medida é excecional, avisou Costa – mas se for necessário, será implementada. Porém, António Costa destacou a forma como os portugueses estão a cumprir o estado de alerta, lembrou que ainda há uma outra fase – a da calamidade pública – e destacou que o próprio verificou, na sua rotina pessoal, que Lisboa estava ontem deserta.
No estado de calamidade ainda se pode colocar uma “ forma generalizada de restrições à liberdade de circulação além das que existem e constituição de cercas sanitárias”, exemplificou Costa, lembrando que não se podem gastar “as munições todas” de imediato. Dito de outra forma: ainda há etapas no plano de combate à pandemia do Covid-19 que não foram esgotadas.
Hora e meia depois, o Presidente da República emitiu uma mensagem via Skype para dizer, em três minutos e 36 segundos, que vai convocar um conselho de Estado para a próxima quarta-feira. Objetivo? Debruçar-se “também sobre eventual decisão de decretar Estado de Emergência”. Numa mensagem pessoal (a formal será feita após o conselho de Estado), Marcelo quis dar “três palavras muito simples e muito diretas”, assegurando que acompanha a situação minuto a minuto. Quis agradecer a “verdadeira quarentena voluntária”, o civismo, o papel do pessoal de saúde, “que se ultrapassa a si mesmo”, e dar uma palavra a forças de segurança (entre outras). Mas deixou um aviso: a situação “vai durar semanas e mais que semanas, meses”. Por fim, o apelo à compreensão de todos, mais jovens e menos jovens, prometendo que todos os órgãos de soberania estarão juntos a decidir o que for preciso decidir. “Vamos vencer”, terminou Marcelo Rebelo de Sousa.
Entretanto, também o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, pediu ao Governo, através de um vídeo (a forma privilegiada de comunicar por estes dias) que tome mais medidas.
“O encerramento de todas as fronteiras, é hoje evidente, é a única forma de confinar a pandemia” ou “o regresso de nacionais a Portugal tem de estar sujeito a quarentena obrigatória”, foram alguns dos exemplos dados pelo CDS.
A pressão das ilhas O encerramento de aeroportos ou a suspensão da maioria dos voos é um ponto delicado e tem havido pressões dos Açores e na Madeira para garantir que os voos do Continente são suspensos. Entretanto, foram decretadas quarentenas sanitárias nos Açores e na Madeira. E a pressão aumenta junto do Governo da República. Mas, António Costa avisa que é preciso “manter serenidade e cabeça fria para evitar qualquer tipo de excesso que tem um efeito seguramente danoso para os residentes nacionais e também para o exterior”.
Ora, no Continente há relatos de alguma intraquilidade, designadamente de dois passageiros que falaram à comunicação social. O primeiro caso foi à RTP, em que um cidadão português, saiu de Milão (onde trabalhava), fez escala na Alemanha, e só no aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, se queixou de não ter sido alvo de um controlo. Entrou num táxi, sem qualquer proteção e seguiu viagem para a casa. Ao i outra cidadã portuguesa – Sandra Monteiro – relatou que fez uma viagem ao Egito, “fez os cruzeiros normais da subida do Nilo” e verificou-se uma situação suspeita num dos cruzeiros. “Por prevenção, todos os cruzeiros ficaram impossibilitados de sair para a cidade” por imposição das autoridades. Diz Sandra Monteiro que fez vários rastreios, desde um teste de zaragatoa, como medições de temperatura. O processo foi feito várias vezes, acabou por prosseguir viagem, com autorização das autoridades egpícias. Por fim, no Cairo, de partida, também voltou a medir a temperatura. De realçar que, em Itália, os primeiros controles também foram térmicos, mas o procedimento não foi considerado adequado em Portugal, por não ser fiável, segundo as autoridades médicas, avisou António Costa no Parlamento no dia 4 de março.
Segundo Sandra Monteiro, tanto em Madrid, onde fez escala para regressar, como em Lisboa não foi alvo de qualquer controlo. Assim, ela e o grupo que regressaram sábado da viagem ( alguns são médicos) vieram de máscara e optaram por se manter em isolamento por precaução, remetendo o caso por e-mail ao SNS24, para não ocupar recursos, uma vez que não tem sintomas. Há ainda outro caso de um homem que regressou de Amesterdão (onde há regras muito apertadas a nível sanitário) e chegou ao aeroporto de Lisboa e os passageiros foram todos para o mesmo autocarro.
Nos aeroportos, os trabalhadores também vão cumprindo as regras das autoridades ainda que com muita preocupação.
Ao i José Sousa, secretário-geral do SITAVA, um dos sindicatos com o maior número de associados, começa por dizer que “não é novidade nenhuma de que estamos a viver uma situação de grande complexidade, mas também de completo desconhecimento. […] Se as fronteiras não estão fechadas e nem sequer há controlo sanitário porque as autoridades dizem que não é necessário, o que é que podemos fazer? Nós alertamos que há alguma desproteção em relação a trabalhadores que desenvolvem a sua atividade, concretamente na placa. São eles que contactam com bagagens”. O dirigente sindical diz que há luvas, mas há pontos sensíveis: “Nas chegadas a parte mais sensível é à saída. A saída faz-se sempre sem qualquer barreira. Há pânico, muito preocupação”, confessa, assegurando que o sindicato tem estado em contacto regular com a Direção-Geral de Saúde.
Por seu turno, fonte oficial da ANA Aeroportos afirmou ao i que “A ANA implementou desde o início do surto medidas de prevenção nos termos da recomendação da DGS que visam a proteção dos seus trabalhadores, incluindo procedimentos de segurança e de higiene rigorosas. A empresa mantém um acompanhamento permanente aos trabalhadores que pela sua função estão mais expostos ao contacto com terceiros. No caso de a função o permitir, foi decidida e implementada a promoção do teletrabalho”.
De acordo com informações recolhidas pelo i também a Portway e a Groundforce implementaram medidas para garantir uma a chamada distância mínima entre os passageiros no momento do desembarque. E há recomendações para os passageiros manterem a distância recomendada no terminal.
Petição pede fecho de fronteiras Entretanto, quase 180 mil pessoas (ao fecho desta edição) assinaram uma petição eletrónica a favor de uma quarentena obrigatória para todos os portugueses e do fecho das fronteiras de forma a conter o surto. A petição foi lançada por 12 de março por Diana Franco, 37 anos, psicóloga e formadora de profissão, que justificou a iniciativa com a sensação de impotência, dado que foi mãe há dois anos e, entre as noites mal dormidas para tratar a filha, “a escalada dos factos” e notícias, estavam a tirar-lhe o sono”, afirmou, citada pela Lusa.
Também André Ventura (líder do CHEGA) exigiu o Estado de Emergência. É “fundamental e juridicamente exigível, pois não temos quadro jurídico para responder a tão grande e difícil ameaça. Só não o fazemos por medo do impacto económico, da imagem externa do país e por puro preconceito ideológico. Mas tudo isso deveria ser segundo plano, quando se trata de salvar vidas”. Ventura considera ainda que “não fechar as fronteiras aproxima-se de traição à pátria”.
Entretanto, a conferência de líderes no Parlamento foi convocada para hoje por Ferro Rodrigues, para avaliar medidas que terão “consequências nos agenamentos previstos”. A reunião estava marcada para quarta-feira. Foi antecipada.