O estado de emergência deverá ser declarado amanhã, conforme anunciou ontem o Presidente da Assembleia da República, devido à pandemia do novo coronavírus e são várias as alterações que vai trazer à vida dos portugueses, sobretudo à dos que levaram menos a sério as recomendações das autoridades de saúde nos últimos dias.
“A situação de alerta que vivemos agora é puramente administrativa, no âmbito da proteção civil, ao passo que o estado de emergência já pode afetar direitos fundamentais, em específico a liberdade de deslocação e o direito de manifestação. Além disso a situação de alerta é ao nível do Governo, dos governos regionais e autarquias, enquanto que o estado de emergência exige uma resolução prévia da Assembleia da República, uma audição do Governo e depois um ato do Presidente da República”, explicou ao i o constitucionalista Jorge Miranda, acrescentando que o Presidente da República não teria de ouvir o Conselho de Estado, como vai fazer.
Mas então o que terá de estabelecer em concreto Marcelo Rebelo de Sousa? Segundo o Jorge Miranda, “no decreto do Presidente da República tem de se fixar quais os direitos, liberdades e garantias atingidos, o prazo de duração, que nunca pode ser superior a 15 dias, e a fiscalização da constitucionalidade pelos tribunais”.
“Diria que ao afetar a liberdade de circulação significa que a quarentena ou a fixação de residência é garantida. O estado de quarentena, porém, não significa que em Portugal toda a gente tem de ficar em casa. Além disso, não pode haver manifestações ou ajuntamentos de pessoas”, diz, explicando não ver que outros direitos possam ser afetados: “O que se pode dizer é que é atingida o direito à educação, mas isso já decorria da situação de alerta, acho que pode é prolongar essa questão”.
Apesar de o prazo máximo de um estado de emergência ser 15 dias, o mesmo pode ser renovado ao fim desse tempo se persistirem os motivos que levaram ao decreto.
Em determinadas situações e mediante o que for decretado, as pessoas poderão mesmo ser abordadas pelas forças de segurança na rua e se estiverem em incumprimento serem detidas – em está o crime de desobediência, punido com até um ano de prisão.
O estado de emergência, no entanto, não põe em causa direitos e garantias mais básicas, como o direito à vida, à integridade pessoal, à identidade, à liberdade de consciência ou de religião.
O anúncio de Ferro Rodrigues O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, disse ontem que o estado de emergência deverá ser decretado já amanhã, dia em que se realiza uma reunião do Conselho de Estado, conforme já havia dito Marcelo Rebelo de Sousa no domingo. Caso o Presidente da República peça a declaração de estado de emergência, a mesma será apreciada nessa mesma tarde no plenário da Assembleia da República.
A conferência de imprensa servia para anunciar alterações ao funcionamento do parlamento, tendo Ferro Rodrigues aproveitado para explicar que não se poderá assistir a um encerramento das portas do Parlamento: “Como órgão de soberania, a Assembleia da República não pode deixar de funcionar, sobretudo neste momento de urgência devendo antes manter um acompanhamento permanente da situação”.
Ferro Rodrigues apelou ainda a que o pedido do Presidente seja explícito quanto à limitações que o estado de emergência acarretará: “Espero que quando chegar aqui ao Parlamento o pedido do Presidente da República, ouvido o primeiro-ministro o Governo, que venha claramente explícito quais são as consequências para as pessoas e cidadãos em geral dessa declaração”.
Lembrando que de forma geral os portugueses têm sabido respeitar as recomendações perante uma situação que é “muito preocupante”, o presidente da AR deixou uma palavra de solidariedade a todos quanto estão infetados ou fazem parte dos casos suspeitos. “São tempos excecionais e disruptores da nossa vida, não só enquanto comunidade, mas enquanto famílias e cidadãos”, sublinhou, apelando aos portugueses para que continuem mobilizados.
E terminou dizendo que “Portugal já foi confrontado ao longo da sua história com perigos e situações excecionais, tendo vencido pela sua determinação, sabedoria e força”: “Juntos iremos vencer também esta pandemia”
Entre as medidas para o Parlamento anunciadas constava a proposta que iria fazer na conferência de líderes ao final do dia para que sempre que possível fosse realizado apenas um plenário por semana, com um quinto dos deputados. Propôs também que as comissões parlamentares apenas se reunissem em situações em que se verificasse ser fundamental.
1975 e o estado de sítio Jorge Miranda explicou ontem ao i a excecionalidade, lembrando que na vigência da atual Constituição nunca foi decretado nem estado de sítio nem de emergência: “Só houve estado de sítio em 1975, depois da intentona extremista de 25 de novembro que foi dominada pelas forças militares, digamos, democráticas, conduzidas pelo general Ramalho Eanes. Durante cerca de dez dias houve estado de sítio, mas só na região militar de Lisboa”, Jorge Miranda.
Mas desde 1976 nunca mais houve necessidade de decretar qualquer um destes estados. Tendo em conta que se trata de uma pandemia o estado de emergência deverá ser a nível nacional.
“São tempos disruptores da nossa vida, […] enquanto famílias e cidadãos”