O país caminha a passos largos para uma situação de grande complexidade e, hoje, o Conselho de Estado – órgão consultivo de chefe de Estado – reúne-se para aconselhar Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República prefere avançar com o estado de emergência – é essa a solução que tem estado em cima da mesa e que está a ser preparada –, apesar de a decisão ainda não estar tomada. Ao final do dia de hoje está prevista uma declaração de Marcelo Rebelo de Sousa ao país, transmitida pela RTP.
No Parlamento, está tudo a postos para receber um decreto presidencial. Marcelo Rebelo de Sousa tem estado em contacto com o primeiro-ministro e falou com o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, esta semana. O objetivo é, na declaração de hoje ao país, demonstrar que há concertação entre os três órgãos de soberania: Presidência, Governo e Assembleia da República.
De realçar que o primeiro-ministro, António Costa, já manifestou reservas sobre a opção por um estado de emergência. “Acho que as pessoas não têm bem a consciência do que significa o estado de emergência”, declarou numa entrevista à SIC, onde advogou também que a medida não é decretada desde o 25 de Novembro de 1975.
E Costa apontou que as “medidas têm de ser tomadas em função da necessidade concreta que existe em cada dia. É fundamental que as pessoas evitem ao máximo o contacto social, que possam estar o máximo de tempo possível em casa, mas é fundamental também que a vida continue”. É esta última premissa – a de que a vida continue –que trava a unanimidade face a um estado de emergência, que implica a suspensão parcial de direitos e liberdades e pode paralisar a economia. Esta preocupação também existe entre alguns membros do Conselho de Estado, apurou o i. O Governo já disse que não se “oporá” a um pedido de Belém, mas o primeiro-ministro lembrou ontem, numa conferência de imprensa (após uma videoconferência do Conselho Europeu), que o “estado de emergência” não é uma medida de saúde pública, mas uma solução decretada para um cenário de calamidade. E a iniciativa cabe ao Presidente, como manda a Constituição.
Questionado pela RTP se é favorável ao estado de emergência ou acredita que é uma solução que pode ser prejudicial, Costa lembrou que a lei fundamental estabelece que cabe a Belém a iniciativa, ouvido o Governo, bem como havendo uma deliberação do Parlamento. O chefe de Governo assegurou que “não tem colocado a responsabilidade no Presidente” e que o Executivo tem trabalhado e dado apoio a Belém para avaliar este tipo de solução.
Porém, nas últimas 48 horas, ficou claro que Costa acredita ainda existirem etapas a esgotar, como o recurso ao estado de calamidade, o alerta máximo para a Proteção Civil.
Ora, segundo apurou o i, Marcelo colocou em cima da mesa o cenário de estado de emergência, mas não quererá exageros ou dar margem para riscos securitários. Contudo, será necessário dar cobertura constitucional às medidas que já estão em prática e, ao mesmo tempo, aplicar novas medidas sempre que necessário. Na curta mensagem pessoal, gravada via Skype, no passado domingo, Marcelo já tinha avisado que a pandemia não iria durar semanas, mas meses. Neste ponto, o discurso entre Belém e São Bento tem estado alinhado. A situação será duradoura (até maio).
Em cima da mesa hoje, no Conselho de Estado, estará o alcance de um estado de emergência e procurar avaliar questões como os cuidados a ter para mitigar o abrandamento da economia ou como se pode proceder em caso de greves ou paralisação de alguns setores vitais.
Entre os conselheiros de Estado, Marques Mendes já considerou que “uma medida de quarentena obrigatória ou de estado de emergência é inevitável”. E disse-o, não como conselheiro de Estado, mas como comentador televisivo no passado domingo, na SIC. Lobo Xavier, pelo contrário, considera que “é preciso não entrar em fundamentalismos. É preciso pensar na economia”, disse, citado pelo Expresso.
O i tentou obter uma posição de Cavaco Silva, ex-Presidente da República, sobre esta questão, mas o seu gabinete remeteu qualquer posição para a reunião do Conselho de Estado, que se realiza à porta fechada. O conselheiro de Estado Domingos Abrantes, membro do PCP, também não revelou a sua posição.
No Parlamento, PSD e CDS deverão votar a favor de ser decretado o estado de emergência, mas o PS, por seu turno, tem argumentos para não o aplicar já, “pelos riscos de devastação da economia”, conforme escreveu ontem Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, no Público. E os comunistas, pela voz de Jorge Pires, lembraram que “mais à frente, se verificarmos que é preciso adotar outras medidas, pelo evoluir da situação, o PCP também ponderará outras medidas”.
Se Marcelo avançar com o pedido de estado de emergência, a proposta terá um prazo de 15 dias (não é renovada automaticamente) e terá de especificar quais as liberdades, direitos e garantias que são parcialmente suspensos. Em tese, tendo em conta a pandemia, a solução de emergência poderá passar pelo confinamento das pessoas nas suas residências, acautelando a liberdade de circulação para fins laborais, de saúde e de transportes.
Ontem, o Presidente terminou o seu isolamento, após ter feito um segundo teste ao novo coronavírus, e voltou ao trabalho, no Palácio de Belém. Marcelo passou 15 dias em casa, depois de ter estado com alunos de uma escola de Felgueiras onde foi detetado um caso de covid-19.