Em situações de crise e de guerra, ainda por cima com um inimigo invisível e desconhecido ou do qual muito pouco se conhece, o descontentamento e a insatisfação são estados de alma normais, naturais, que alimentam comportamentos tão díspares – e contraproducentes – como a crítica fácil ou o conformismo passivo e acrítico.
Já se sabe: preso por ter cão e preso por não ter.
É verdade que o Estado – particularmente o Presidente da República, mas também o Governo, as autoridades de saúde e, consequentemente, o povo – facilitou nos primeiros passos do surto de covid-19 e mesmo quando se confirmou a epidemia descontrolada e até ser decretada a pandemia pela Organização Mundial de Saúde.
Foi tudo empolado e exagerado, na opinião de alguns; demasiado laxistas e irresponsavelmente descuidados, na de outros.
Pode ter sido o que se quiser.
E foi.
Primeiro, é certo, praias e esplanadas cheias de jovens dispensados das aulas que não resistiram ao chamamento do sol primaveril antecipado e bares e discotecas a rebentarem pelas costuras que a noite amena e as manhãs em casa para tanto contribuíram.
Depois, também é verdade, um pacífico e generalizado recolhimento em casa, com as ruas a desertificarem, os ajuntamentos a serem evitados, as distâncias respeitadas, quer nos centros comerciais, grandes superfícies ou supermercados, nas farmácias, nas bombas de gasolina, mas também no pequeno comércio local, das grandes cidades às vilas e aldeias… país fora.
O comportamento do povo – com exceções, que sempre as há – revela um grau de maturidade e civismo muito para além do que lhes reconhecem os iluminados políticos, jornalistas, humoristas, opinadores e comentadores com muito mais presunção do que conhecimento e polimento.
O povo é sereno… e sábio. Quando percebe que a coisa fica feia, arrepia caminho. E, sim, segue e respeita as regras e orientações que lhe são transmitidas por quem com reconhecida credibilidade e autoridade. E precisa delas, sobretudo quando a ameaça, como agora, é global, invisível e desconhecida.
Daí a importância de o discurso de governantes e dirigentes ser verdadeiro e objetivo; daí a relevância da mensagem ser articulada e unívoca e inequívoca; daí também que sejam dispensáveis intervenções que nada acrescentam ou muito pouco ou nada importam ao povo.
Veja-se o exemplo da despropositada e inútil mensagem desta semana do presidente da Assembleia da República. Ou a falta de informação do ministro da Administração Interna sobre as orientações da Comissão Europeia e o titubear de Eduardo Cabrita em plena conferência de imprensa convocada pelo MAI. Assim como os cuidados extremos da senhora diretora-geral da Saúde para se servir de água sem tocar na garrafa, valendo-se de um lenço que volta a colocar no bolso e das pontas dos dedos como se essa fosse uma boa prática, e depois de tanto esforço jogar a mão ao copo que leva à boca sem mais.
A gravidade da situação impõe medidas de exceção e o povo está consciente disso. Como está consciente de que tem de seguir os ditames das autoridades, mesmo desconfiando.
Pelo povo não haveria necessidade de impor estado de emergência nem de limitar direitos, liberdades e garantias fundamentais, que é a pior das suas consequências.
Mas pelo Estado, sim.
Numa situação excecional como a que vivemos, a resposta do Estado tem de ser só uma, com capacidade de mobilização e organização.
O pior que podia acontecer era a autoridade perder-se com a Administração Central a dizer uma coisa, os Governos Regionais a dizerem outras e cada município ser deixado à sua sorte.
E o mesmo se diga com as unidades ou serviços de saúde.
Mas também e muito em breve nas casas de todos nós, sobretudo com os impactos negativos da covid-19 no trabalho e na economia.
Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.
O tempo desta crise não é de uma ou duas semanas. Vai muito para além do período (quinze dias) constitucionalmente previsto para um estado de emergência – e para além de uma ou duas ou três renovações.
Já sabemos que a coisa não se faz por menos de meses – no mínimo – e com efeitos sabe-se lá para quantos anos.
Se a procissão saiu agora do adro, o que importa é acertar o passo e o compasso.
O Estado – a Nação, o Povo – tem de manter-se unido e preparado para enfrentar os dificílimos desafios que aí vêm.
Não pode haver hesitações nem incertezas nas medidas urgentes que se impõem.
Custe o que custar. Tendo todos e cada um a consciência de que, passado o pior, teremos de estar disponíveis para a próxima convocatória do Estado.
Vai doer. Lá terá de ser.
Vamos ter de começar de novo.
Mas com esperança.
Pois se Fénix também renasceu…