O silêncio tomou conta das cidades. As ruas estão vazias, os restaurantes fechados e nos jardins andam pessoas isoladas a passear os cães. À medida que a pandemia se instala por todos os continentes carrega ondas de silêncio que abafam os sons e as vozes nas ruas. Nas cidades, o silêncio é aquilo que se ouve quando se desliga o motor da economia. Por agora, por mais que se queiram afastar fantasmas com cantigas à varanda, resta-nos esperar pelo milagre da ciência.
Passámos de uma sociedade obcecada pelo impacto de fake news produzidas por gente sem respeito pela verdade para uma humanidade focada nos laboratórios onde se procura a vacina para o covid-19. Enquanto não existir cura travamos uma batalha contra o tempo onde existem apenas três frentes para reduzir o aumento exponencial de mortos: o isolamento social, a resiliência dos profissionais do sistema de saúde e o rastreio generalizado da população. Nesta pandemia só nos serve a verdade dos factos e não há narrativa pós-moderna que sobreviva à necessidade de ciência para escapar à morte.
As medidas do Governo na sequência da declaração do Estado de Emergência determinaram, desde sexta-feira, três níveis de isolamento à semelhança de vários países europeus. Os infetados, ou em vigilância, pertencem ao nível com mais restrições para quem o fim do isolamento constitui um crime de desobediência. Num segundo nível estão os mais vulneráveis ao vírus, as pessoas com mais de 70 anos ou com doenças crónicas, a quem cabe o dever de ficar em casa para sua própria defesa. Para a restante população, fica o dever de recolhimento geral, seguindo os conselhos de higiene e distanciamento social uma vez que todas as pessoas, mesmo sem sintomas, podem ser portadoras do vírus.
Para já, ficam a faltar as medidas de rastreio generalizado a toda a população necessárias para identificar o real alcance da pandemia. Já foram elaborados rastreios na China e na Coreia do Sul, levantando dados sem os quais os cientistas estão cegos perante a expansão do vírus. Já se levantaram outras alternativas, mais expeditas mas menos fidedignas, como a sugerida em Israel onde se propôs a utilização do histórico do GPS dos telemóveis de infetados para identificar e mapear, por computação, por que ruas andou o vírus.
Na Europa, é inevitável que o silêncio das cidades invoque a crise de 2008; no entanto, existem profundas diferenças. Se dúvidas houvessem seriam dissipadas, tanto pelos apelos angustiados dos nossos três mil alunos Eramus impedidos de voltar, como pela onda de solidariedade na hotelaria e alojamento local disponibilizando quartos vazios para os profissionais de saúde, mas, sobretudo, pela violência dos números reportando centenas de mortes diárias em Itália, condensada na imagem de um engarrafamento de camiões carregados caixões às portas do cemitério de Bérgamo por motivo de sobrelotação.
O silêncio de 2008 decorreu de uma avaria no motor da economia. O abrandar de hoje é voluntário e serve para enfrentar uma doença; no entanto, terá impactos profundos nos empregos, sem certezas na duração nem garantias da nossa capacidade para manter viva uma economia com recurso ao teletrabalho. Todos os responsáveis no espaço da União Europeia parecem conscientes do risco económico, uma vez que já vieram a público repetir o mantra de Mario Draghi «faremos tudo o que for preciso», que, em 2012, só pecou por tardio.
Hoje vivemos de esperança. Temos esperança na ciência, na solidariedade entre todos, na sabedoria de quem lidera, na resiliência dos profissionais de saúde, mas acima de tudo, temos esperança que o silêncio termine e que as cidades voltem a não dormir.