O vírus chinês – ou, mais rigorosamente, o vírus do Partido Comunista Chinês – continua a matar inocentes, a espalhar o medo e a tornar o pânico o sentimento dominante nas comunidades. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem sido alvo de críticas, da esquerda à direita, pela sua decisão (que tem sido oficialmente assacada à Ministra da Saúde, Marta Temido) de ficar em quarentena na sua casa durante uma semana: para muitos, este ato representou uma sobreposição de uma susceptibilidade pessoal de Marcelo – da sua afamada hipocondria – aos seus mais elementares deveres funcionais.
Adolfo Mesquita Nunes foi mesmo mais longe, chegando a afirmar que quando o país mais necessitava de um líder, da autoridade presidencial, saiu-nos apenas um cidadão com os seus receios e limitações. No entanto, embora tais críticas nos pareçam muito legítimas, elas comportam um certo exagero para com a postura que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem adotado efetivamente na gestão da presente crise colocada pelo vírus chinês: a verdade é que mesmo na pendência da sua quarentena no seu domicílio pessoal em Cascais, o Presidente da República esteve sempre em permanente articulação com o Primeiro-Ministro, António Costa.
Fonte muito conhecedora do processo decisório garante-nos mesmo que, acaso não fosse a pressão permanente exercida por Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa não teria aparecido tanto e com tanto – pelo menos, na aparência – domínio da situação nestas últimas duas semanas.
Veja-se, aliás, que o Primeiro-Ministro geriu a reação ao vírus do Partido Comunista Chinês de forma atabalhoada, inicialmente, andando em bolandas nos primeiros dias (o que é compreensível, reconhecemos), deixando o ónus da responsabilidade da ação e explicitação ao país à Ministra Marta Temido (cuja dedicação agradecemos, pela coragem e serenidade reveladas, apesar das adversidade e do abandono de alguns dos seus colegas de executivo) e à Diretora-geral de Saúde.
Donde: o Presidente Marcelo, ao invés do que se andou a propalar, não abandonou o país; antes, esteve em permanente contacto com o Governo – Primeiro-Ministro e outros Ministros, incluindo aqui Augusto Santos Silva -, forçando mesmo, em algumas ocasiões, António Costa a tomar iniciativa.
O mérito do Governo – nesta última fase de reação ao vírus – é também mérito de Marcelo Rebelo de Sousa.
Posto isto, quanto à declaração de emergência, não o subscrevemos nesta fase, mas compreendemos a opção de Marcelo Rebelo de Sousa: como afirmou o Conselheiro de Estado, Francisco Pinto Balsemão, já havia um Estado de Emergência de facto, pelo que a sua não emissão teria consequências mais desastrosas (do ponto de vista social) do que a sua declaração.
Isto porque as opções políticas são, essencialmente, gestão de expectativas: ora, a expectativa dos portugueses era que o Presidente Marcelo declarasse rapidamente e em força o Estado de Emergência.
No que concerne ao conteúdo da declaração, várias observações críticas poderiam ser aduzidas; no entanto, limitemo-nos a ressalvar a bizarria constitucional de decretar uma situação democrática patológica para promover a certeza e a segurança jurídicas (ou seja, para o Estado se escapulir de obrigações jurídicas eventuais futuras).
Ora, o Estado de Emergência foi pensado para situações políticas de rutura; não para acautelar efeitos jurídicos. E, ao contrário daquilo que se diz em programas televisivos (com orçamentos caricatamente elevados para as audiências que registam), o argumento do risco do precedente não é infantil – pois se a justificação do Estado de Emergência foi essencialmente jurídica, para exonerar o Estado de responsabilidade civil, como garantir que o poder político não recorrerá ao mesmo instrumento em situações futuras, estando em causa a preservação da irresponsabilidade patrimonial do Estado?
Qual será o critério para admitir a bondade desta solução de Estado de Emergência com escopo jurídico? Teremos, pois, de estar muito atentos no futuro; urge garantir que a limitação do poder político ao Direito – incluindo, ao seu dever de reintegração de situações jurídicas patrimoniais dos particulares lesados – não se torna em mero artifício retórico, sempre na disponibilidade do próprio poder político diretamente interessado.
Finalmente, vamos ao ponto mais premente, neste momento, e que tem passado (estranhamente) ao lado das discussões políticas nacionais.
É que as razões justificativas do Estado de Emergência avançadas pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa têm necessariamente de produzir um resultado político lógico: a formação, de imediato, de um Governo de Emergência nacional.
Historicamente, as situações de emergência – que são manifestações de “Estados de Excepção” – correspondem a compromissos políticos alargados entre as forças políticas mais representativas do povo.
Não se compreende – e seria um absurdo político-constitucional inqualificável – que um Estado de Emergência seja executado por um Governo de um só partido, sem maioria absoluta e cuja representatividade corresponde apenas a 36% dos eleitores portugueses votantes.
Se há Emergência nacional, teremos de ter um Governo que reflita tal circunstância excecional: no mínimo, um Governo que represente mais de metade dos portugueses. Um Governo com maioria absoluta para garantir a legitimidade (de exercício) absoluta das medidas que terão inexoravelmente de ser decretadas.
Ou seja: no mínimo, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa terá – e, pelo que sabemos, assim o fará nos próximos tempos – que exigir a formação de um Governo de Salvação Nacional, constituído pelo PS e pelo PSD de Rui Rio.
Mais: o próprio Presidente da República admitiu que a situação que vivemos é uma situação de guerra – pois bem, em situação de guerra, não se vai para o combate com um Governo de 36% do povo nacional; exige-se um Governo de ampla representatividade nacional.
Duas razões acrescem para que o Presidente da República provoque, tão rapidamente quanto possível, a constituição de Governo de Estado de Emergência, constituído, pelo menos, por PS e PSD de Rui Rio.
Primeiro: este Governo de António Costa tem sido marcado pela instabilidade permanente, pela necessidade de estabelecer equilíbrios sucessivos e conjunturais no Parlamento para garantir a viabilização das suas políticas. Ora, uma situação de Estado de Emergência necessita de um Governo forte, estável, com apoio maioritário no Parlamento, sem necessidade de negociações permanentes. O Estado de Emergência exige ação rápida – e dispensa negociação repetida.
Segundo: no início do próximo ano, Portugal assumirá a Presidência da União Europeia. Como é sabido, este encargo representa uma enorme responsabilidade para o Governo em exercício funções, que terá de dispersar o seu foco entre as questões prementes nacionais e os compromissos assumidos a nível europeu.
Historicamente, as Presidências portugueses da União Europeia têm custado o acentuar do desgaste político interno dos Governos. Para o Primeiro-Ministro, em termos pessoais, será uma tarefa de enorme responsabilidade e especialmente hercúlea – e, desta feita, sê-lo-á em termos especialmente agravados.
É que Portugal irá presidir a uma União Europeia exangue, em risco de colapso iminente, ainda em luta contra as consequências do vírus do Partido Comunista Chinês que agora debelamos.
Ou seja: o desgaste para o Governo português – e para António Costa, em especial – será o triplo ou o quádruplo daquilo que seria em circunstâncias normais. Ora, o inferno económico que iremos passar não se compadece com um Primeiro-Ministro em part-time – com a agravante de este Governo ser já um Governo debilitado, cansado, sem energia, fruto da decisão de António Costa de encarar esta segunda legislatura como apenas a continuação da anterior.
Sejamos claros: o atual executivo do PS não tem músculo política, nem força política, para aguentar as provações que se avizinham nos próximos (longos) meses. 2020 e 2021 serão anos – recorrendo à expressão do nosso mui estimado Professor Paz Ferreira, reportando-se aos anos da troika – de ultra-chumbo.
Precisamos, pois, de um Governo com vitalidade, com maioria, com uma estabilidade à prova de bala (e de vírus chineses), que se dedique às questões nacionais a tempo inteiro. Numa palavra: necessitamos de um Governo com uma força política superlativa, o que só é alcançável com a inclusão do PSD de Rui Rio, numa frente centrista de emergência nacional com o PS de António Costa.
Ora, se o Presidente Marcelo entende que há razões para decretar o Estado de Emergência, se António Costa terá desafios de uma complexidade enorme – no plano nacional e no plano europeu – que exigem uma energia que não se vislumbra na atual composição governamental, se, citando o Presidente, estamos a combater uma guerra – os portugueses não perceberão se Marcelo Rebelo de Sousa não exigir um Governo de Salvação Nacional, pelo menos, até ao final de 2021/início de 2022.
Seria uma contradição política lógica: decreta-se o Estado de Excepção, sem se exigir um Governo de Excepção constitucional. O Presidente Marcelo tem, pois, de ser consequente – e, segundo apurámos, assim o fará nos próximos tempos. Sabemos que o Presidente Marcelo quer um Governo de coligação PS/PSD – com Rui Rio como Vice-Primeiro-Ministro – até ao Verão.
Acresce que nem António Costa se poderá opor, nem Rui Rio poderá declinar tal solução de Salvação Nacional defendida pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
António Costa não se poderá opor – o Primeiro-Ministro já afirmou que não há o partido do vírus e o partido do anti-vírus; e ele próprio não quer assumir as responsabilidades de liderar a resposta à crise, simultaneamente, a nível nacional e a nível europeu. Além disso, António Costa deu o seu aval à declaração do Estado de Emergência – donde, reconhece a gravidade da situação nacional.
Rui Rio não se poderá opor – basta ir ouvir a sua intervenção no Parlamento na passada semana, aquando da aprovação da declaração do Estado de Emergência. O líder do PSD concordou com todas as medidas (todas!), afirmou que o PSD não será oposição nestes tempos de adversidade e que estará com o Governo a cem por cento. Ora, é um discurso já de um verdadeiro Vice-Primeiro-Ministro de Governo de Salvação Nacional.
Retenhamos: o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa terá de forçar um Governo de Salvação Nacional para ser consequente com o Estado de Emergência, que ele próprio declarou; António Costa e Rui Rio estão condenados – sob pena de ninguém os levar a sério sempre que insistirem na gravidade da situação que vivemos – a formar um Governo de Salvação Nacional, consistindo numa frente centrista que terá de durar, pelo menos, até ao último trimestre de 2021 ou ao primeiro trimestre de 2022.
Presidente Marcelo, não perca, pois, mais tempo – quanto mais cedo esta frente centrista se formar, melhor. Não vale a pena adiar o inadiável.