E de repente, sem que nada o previsse, percebemos como somos imensamente pequenos, consideravelmente frágeis e manifestamente limitados diante o que nos continua a ser superior. Quando julgávamos ser donos de todo o nosso destino, deuses de nós próprios, senhores de todo o presente e criadores de todo o futuro, percebemos os imensos limites que a condição humana e a sua individual ou coletiva vontade continua a ter. Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, dos inquestionáveis avanços científicos, da cultura da felicidade sem fronteiras, e da generalizada ideia de que o domínio da natureza está totalmente ao nosso alcance, fomos uma vez mais confrontados com a força da realidade e a fragilidade da irrealista ilusão. Não duvido que saberemos ultrapassar a dificuldade que vivemos e que em breve se encontrará o antídoto para combater o mal que nos atingiu, mas o que não sei é se seremos capazes de aprender a lição. Temo que a compreensível alegria que a todos inundará quando a notícia de que vencemos esta batalha for dada, nos conduza para a percepção de que somos invencíveis e de que tudo pode continuar como até aqui. E continuar como até aqui significa simplesmente aceitar uma competição desregulada, conviver com a teoria de que o crescimento económico é sempre e só um fim em si próprio, difundir a crença de que o individualismo é o único suporte da vida em sociedade.
Por isso, quando me perguntam quais as consequências para o futuro deste nosso presente, eu apenas posso dizer que elas ou serão terríveis ou nos abrirão uma porta de esperança para mudar o que deve ser mudado. Bem sei que a pergunta pretende obter uma resposta aos problemas mais imediatos com que nos vamos confrontar. E estes, ainda que dependentes do tempo que restará até à solução que todos ansiosamente aguardamos dos cientistas, não serão seguramente tranquilizadores. Outros, por certo mais avalizados do que eu próprio, já o disseram, já o escreveram, já o anteviram. Dizem-nos que as falências, o desemprego, a rutura económica em muitos setores, serão uma inevitabilidade. E, por outro lado, quando ouvimos e vemos governantes europeus liberais a admitirem o regresso das nacionalizações, ignorando ou desvalorizando as regras inscritas e tão freneticamente propaladas sobre uma certa economia de mercado e da globalização, percebemos bem como frágil e errática tem sido muita da construção política, que ao longo das últimas décadas tem sido feita. No imediato podemos assim esperar consequências que não se perspetivam risonhas.
E é talvez por isso que também devamos pensar para lá do imediato. Reconheço não ser um exercício fácil, desde logo por estar dependente da existência de líderes e não apenas de dirigentes erráticos e volúveis e de convocar ao pensamento que nos afaste da cegueira em relação aos verdadeiros valores da humanidade e das suas naturais comunidades. O que está ou deveria também estar em causa é saber se podemos continuar a viver numa sociedade em que o real é essencialmente virtual, em que o homem em nome do progresso é substituído pelo consumidor, em que a legítima aspiração ao bem-estar é perversamente confundida com a embriaguez do triunfo a qualquer custo. Dir-se-á que nada disto evitará uma nova pandemia, mas não se poderá ignorar que talvez evite as consequências mais nefastas dos seus efeitos. Do que se trata afinal é de compreender se na ânsia de querermos demonstrar que somos gigantes, nos esquecemos do imenso vazio que estamos a construir.
por Manuel Monteiro
Professor e antigo líder do CDS