“Nada vai ficar igual”

O que vai acontecer quando acabar esta crise não é fácil de prever, mas já há quem fale na necessidade de um Governo de salvação nacional.  ‘A única solução é um Governo do Bloco Central’, diz ao SOL José Miguel Júdice. Leia também as opiniões de Manuel Monteiro, Henrique Neto, Joana Mortágua, Jaime Nogueira Pinto e…

Uma das características da crise que estamos a viver é a imprevisibilidade. Por mais que se tracem cenários ninguém consegue prever quanto tempo vai durar e muito menos as consequências na economia e na política. Não é, porém, difícil de prever que muita coisa vai mudar. Provavelmente todos os responsáveis políticos vão ter de mudar o chip, porque no dia em que a pandemia estiver controlada o país será diferente daquele que conhecíamos quando começou.

José Miguel Júdice não tem dúvidas de que «nada vai ficar igual». Desafiado pelo SOL  a prever o que pode mudar por causa da pandemia, o ex-dirigente do PSD considera que se esta situação durar muito tempo podemos mergulhar numa crise económica grave. «Do ponto de vista das vidas humanas não é comparável a uma guerra, mas do ponto de vista económico é muito pior do que uma guerra. O que significa que é uma realidade que ninguém viveu. A guerra que tivemos em África não impediu o funcionamento económico».

José Miguel Júdice acredita que a crise vai exigir outras soluções políticas, porque um governo minoritário não conseguirá resolver os «problemas gravíssimos» que poderão surgir quando a pandemia estiver controlada. «Entendo que a única solução é um Governo do Bloco Central. A sensação que tenho é que a única solução é um Governo de salvação nacional entre dois partidos que não estão muito distantes e que são, afinal, a base de apoio da reeleição do Presidente da República. Para os problemas que vão surgir não podemos contar com o apoio dos partidos da esquerda», afirma o ex-bastonário da Ordem dos Advogados,

A reedição do Bloco Central é uma possibilidade que o socialista Vítor Ramalho também deixa em aberto. O ex-governante coloca dois cenários em cima da mesa: se a situação for superada até ao verão a recuperação económica será feita «sem dramas», mas pode ser «muitíssimo complicado para o país» se isso não acontecer. «Se isto se agravar, a situação pode vir a exigir uma solução de salvação nacional. Se, porventura, a situação se mantiver assim depois do verão podem ser necessárias situações de salvação nacional. E aí o papel do PSD vai ser imprescindível».

O socialista teme que uma nova crise económica seja terreno fértil para o populismo e alerta que a esquerda moderada tem de estar preparada para lhe dar resposta. Ramalho, que elogia António Costa por «estar à altura da crise» e a oposição, principalmente, Rui Rio, por ser patriótica, defende que mais do que nunca é necessário «reformular a conceção do Estado e ter uma linha estratégica». Aos responsáveis políticos da área do socialismo moderado, o ex-dirigente socialista deixa um apelo para que não voltem a cair no erro de «ir atrás das conceções liberais sem  atender às pessoas, aceitando o predomínio desta loucura do economicismo».

 

Governo de salvação nacional

A tese de que a crise pode abrir a porta a soluções políticas que até há pouco tempo eram impensáveis foi defendida por alguns comentadores ao longo da semana. O ex-ministro da Educação Marçal Grilo, na RTP 3, avançou com duas hipóteses: «Ou um pacto de regime capaz de viabilizar os próximos orçamentos ou o Presidente da República tem de pensar seriamente em promover um Governo de unidade nacional».

Luís Nobre Guedes também defendeu, no seu espaço de comentário na televisão pública, que vão ser necessárias «soluções extraordinárias», ou seja, um entendimento entre PS, PSD e CDS. «Temos de encontrar uma solução que durante três anos possa resolver esta crise», disse o ex-dirigente centrista.

 

Governo prepara-se para uma crise longa

Os socialistas ouvidos pelo SOL consideram que ainda é cedo para fazer previsões. Todos concordam, porém, que o país tem dois combates difíceis pela frente: primeiro controlar a pandemia com a consciência de que «vai ser longa» e, em segundo lugar,  enfrentar uma crise económica.

O Governo está a tentar conseguir o máximo equilíbrio entre a necessidade de controlar a pandemia e as consequências para a economia. O primeiro-ministro, António Costa, deixou claro que é preciso «evitar, na medida do possível», que a esta crise de saúde pública não se acrescente uma crise económica. «É preciso que a economia funcione para que a sociedade possa funcionar», disse, na TVI, a ministra Mariana Vieira da Silva, que integra o gabinete de crise criado para enfrentar a pandemia. Para já, a perceção é que António Costa está a liderar este combate, com o Presidente da República mais apagado, e que está criado um clima de unidade nacional.

Rui Rio não podia ter sido mais claro no apoio ao Governo para enfrentar a crise provocada pelo novo coronavírus. «No combate a esta calamidade, o PSD não é oposição, é colaboração. Neste momento, temos de ser todos soldados na disponibilidade para ajudar Portugal a vencer com o menor número de baixas possível», disse, na Assembleia da República, esta quarta-feira, o presidente do PSD.

O CDS tem exigido ao Governo uma posição mais musculada para enfrentar a pandemia e aplaudiu o estado de emergência. «Apoiamos as medidas que estão a ser tomadas, parecem-nos relevantes, mas não nos demitiremos de acompanhar», sublinhou Telmo Correia.

 

BE e PCP exigem mais apoios

A duração da crise ditará o futuro, mas toda a estratégia terá de ser revista. O futuro da aliança à esquerda, que já dava sinais de desgaste, é mais uma das incertezas sobre os arranjos políticos que serão possíveis nos próximos anos. À esquerda do PS também ninguém quer fazer previsões nesta altura, mas Bloco de Esquerda e PCP estão na linha da frente na reivindicação de mais medidas de apoio para evitar uma crise social. «É preciso proibir os despedimentos, suspender os cortes de água, luz e telecomunicações. Se não se fizer nada, a precariedade vai atirar milhares para a pobreza. Se não se alargarem as medidas de apoio a quem teve quebra de rendimentos ou a quem os perdeu, falharemos como sociedade», alerta, num artigo nesta edição do SOL, a deputada bloquista Joana Mortágua.

O PCP também considerou, pela voz de Vasco Cordeiro, que as medidas anunciadas pelo Governo são insuficientes perante «as visíveis dificuldades da economia nacional, com destaque para a realidade vivida por milhares de micro, pequenos e médios empresários».

 

Cinco personalidades contam-nos a sua visão. Clique na imagem para ler cada opinião na íntegra.

A Força da Realidade, por Manuel Monteiro

"Temo que a compreensível alegria que a todos inundará quando a notícia de que vencemos esta batalha for dada, nos conduza para a percepção de que somos invencíveis e de que tudo pode continuar como até aqui"

 

O Diabo Chegou, por Henrique Neto

"Temos a obrigação de compreender que não há recursos suficientes para fazer e desfazere que é preferível sofrer agora um pouco a comprometer o futuro".

 

O pior que nos podia acontecer?, por Joana Mortágua

"Em Espanha, os ‘caçorolaços’ exigem que o dinheiro da corrupção da família real seja investido na saúde pública. Mas isso não basta".

 

Breve reflexão sobre o estado de emergência, por Jaime Nogueira Pinto

"Entende-se e justifica-se plenamente a declaração do estado de emergência, uma forma mitigada de resposta excecional".

 

O Estado em emergência, por José Ribeiro e Castro

"Tem-se abusado da metáfora da guerra, a meu ver, mal. Uma vez, parece atraente, para conseguir efeitos de união e coesão, coragem e resiliência, ânimo e determinação vitoriosa. Mas a insistência corre o risco de distrair e desviar o foco do tipo de esforço a fazer".