A generalidade dos países recebeu, nos últimos anos, sucessivos avisos do que podia ser uma ameaça global.
As gripes e os outros fenómenos que se situavam na área das afeções respiratórias foram, apesar de tudo, vencidos. Uns com um número considerável de mortos, outros com uma duração de surto limitada. Uns com a obtenção de vacinas eficazes, outros com a desistência da sua consecução.
Apesar de tudo, deviam ter instalado uma exigência de preparação para o pior, para o caso de as respostas falharem e de confrontarem os sistemas de saúde com a sua capacidade.
Não é admissível que os países se encontrem sem proteger o seu pessoal de saúde e dispor de aparelhos absolutamente essenciais como os ventiladores.
No primeiro caso a sua ausência pode significar a multiplicação dos infetados e a diminuição do número do pessoal disponível ou a sua desmoralização e no segundo a impossibilidade de apoio à recuperação ou a dramática opção entre um caso a tratar ou outro a abandonar.
A primeira estranheza reside aqui e culpa todos quantos poderiam ter decidido e não decidiram.
Mas esta nova epidemia revelou aspetos de uma dimensão extraordinária.
O vírus é mais agressivo, a capacidade de reprodução e de contágio é maior e mais rápida, o modo como as coisas correram no país onde primeiro surgiu era claro quanto ao que fazer e à rapidez da decisão.
Não era difícil perceber como uma atitude expectante e conservadora na luta contra uma pandemia desta natureza tinha os dias contados.
Foi penoso ver como os acontecimentos desmentiam crescentemente quem tentava convencer da mera invenção da resposta, do receio em dizer a verdade toda.
A ideia da antinomia entre salvação da economia e salvação das pessoas levou a absurdas teorias: a do ministro japonês dizendo ser antieconómico despender recursos com os idosos, a do consultor britânico que pretendia deixar infetar todos e admitir um número imenso de mortos para conseguir uma barreira natural, a de um número considerável de governos que adiaram medidas capitais para não perturbar a economia em geral ou o turismo em particular.
Veloz e inexorável, a realidade impôs-se.
A progressão de casos e de mortes tornou a manutenção da capacidade de resposta da saúde a última fronteira.
Estava instalado, portanto, o estado de emergência.
Ora, este estado corresponde, numa democracia, a uma exigência constitucional clara.
É preciso estabelecer limites à liberdade individual, de circulação, à greve?
É preciso intervir na exigência da atividade de empresas de setores essenciais?
Com certeza, mas se assim é não se tente mascarar a situação. Defina-se e aprove-se.
Esta situação de luta pela sobrevivência e de disciplina coletiva, de responsabilidade pelas respostas e de manutenção dos serviços essenciais não pode depender apenas da boa vontade. Corresponde a uma obrigação do Estado.
Se tudo da boa vontade dependesse, não seria necessário fechar fronteiras, suprimir voos e parar cruzeiros.
Dessa boa vontade são filhos milhares de casos evitáveis.
Dessa boa vontade são produtos as acentuadas curvas de progressão.
O Estado não existe para passar a vida a intervir em tudo quanto mexe.
Existe para quando é preciso.
É aí que se realiza a emergência do Estado.