A caminho dos Estados Unidos, a pandemia devasta a Europa

Em Espanha o sistema de saúde colapsa, em Itália teme-se o alastrar da tragédia e a Alemanha aposta em testes em massa. No Brasil, Bolsonaro declarou os serviços religiosos essenciais, enquanto o senado dos EUA aprovou o maior pacote de resgate de sempre.

Prevê-se que o epicentro da pandemia de coronavírus se vá deslocando para os Estados Unidos, mas entretanto deixa um rasto de destruição na Europa. Nos Estados Unidos, foi aprovado pelo Senado o maior resgate de sempre à economia, em resposta à crise provocada pelo novo coronavírus – mesmo assim, alguns acham que não será suficiente.

Muitos governos europeus continuam sem conseguir responder à pandemia. Em Espanha, que já ultrapassou as quatro mil mortes, com mais de 56 mil infeções registadas, está instalado o caos. Todas as noites, às oito horas, quem está na linha da frente do combate ao vírus é aplaudido, mas, como se temia, o sistema de saúde espanhol está a dar de si.

Faltam proteções para profissionais de saúde, camas e testes para infetados: imagens de doentes no chão do Hospital Infanta Leonor, em Madrid, escandalizaram o mundo, multiplicam-se vídeos de médicos a improvisar batas a partir de lençóis cirúrgicos ou a reutilizar máscaras, enquanto os kits de teste rápido, prometidos pelo Governo, chegam a conta-gotas.

As recomendações da OMS, para “testar, testar, testar”, de maneira a identificar infetados e conter a pandemia, foram há muito atiradas pela janela: em cidades como Madrid e Barcelona só são testados doentes graves e profissionais de saúde, avançou o El País. Ou seja, se o aumento nas infeções registadas em Espanha é enorme, com quase sete mil novos casos ontem, o número real deverá ser muito maior.

Com os ringues do Palácio de Gelo a servir de morgue improvisada e o enorme centro de conferências de Madrid transformado em hospital de campanha, Madrid está irreconhecível. As imagens mostram ruas vazias: polícias e soldados garantem o cumprimento das estritas regras de isolamento, que só permitem aos espanhóis sair de casa por motivos essenciais. Várias grandes superfícies estão com dificuldade em responder às encomendas online – o Mercadona cancelou este serviço em Madrid e no Carrefour pode haver esperas de até 10 dias.

Na capital italiana, as atrações turísticas, normalmente apinhadas, estão vazias. No meio da tragédia, “é um privilégio ver as maravilhas de Roma tão silenciosas”, escreveu um repórter da BBC. A situação está mais calma que no epicentro do surto italiano, a norte, na Lombardia.

“Os números de hoje não são bons”, lamentou ontem o governador da região, Attilio Fontana – foram registados 2500 novos casos, um aumento muito superior aos dias anteriores.

Agora, teme-se o acelerar da pandemia no resto de Itália. O saldo nacional ultrapassou os 80 mil infetados – está muito próximo dos cerca de 81 mil casos na populosa China – com mais de oito mil mortos. “Há a possibilidade real de a tragédia da Lombardia se tornar na tragédia do sul”, avisou Vincenzo De Luca, governador da Campânia, onde fica Nápoles.

Já na Alemanha, o aumento nos casos registados de covid-19 não é necessariamente mau sinal: são mais de 43 mil, mas ao virem acompanhados por apenas 239 mortes, podem ser resultado do investimento massivo em testes – estima-se que sejam uns 500 mil por semana. Comparativamente, em França, há mais de 25 mil casos, com 1331 mortes a lamentar.

 

Religião é essencial

Jair Bolsonaro tem teimado em desconsiderar o vírus como uma ameaça para a saúde pública. Num decreto publicado esta quinta-feira, o Presidente do Brasil considerou as atividades religiosas como serviços essenciais, ficando assim autorizadas a funcionar durante o período de quarentena vigente no país.

Segundo a norma estabelecida esta quinta-feira, que atualiza medidas adotadas pelo Congresso a 20 de março, a “restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais” fica proibida, estando os serviços religiosos incluídos. Recorde-se que uma seita religiosa foi responsável por quase metade dos casos na Coreia do Sul, diz a Reuters.

O famoso guru de Bolsonaro – Olavo de Carvalho –, que vive nos Estados Unidos, tem constantemente negado a existência da pandemia, qualificando-a como uma espécie de conspiração. “O número de mortes dessa suposta epidemia não aumentou nem um único caso o número habitual de mortos por gripe no mundo”, disse. “Essa endemia simplesmente não existe”. O vídeo onde proferiu estas palavras foi retirado pelo YouTube.

No dia posterior à aprovação unânime no Senado do maior pacote de resgate da História dos Estados Unidos, os responsáveis por Nova Iorque – Bill de Blasio, mayor, e o governador estadual Chris Cuomo – criticaram a medida pela sua insuficiência. Bill de Blasio apelidou-a mesmo de “imoral” por Nova Iorque apenas receber mil milhões de dólares, quando tem um terço dos casos com coronavírus do país.

O cenário na metrópole, onde o número de casos tem explodido nos últimos dias, pode estar prestes a assemelhar-se ao de Itália e Espanha. A coordenadora de emergência do Brooklyn Hospital Center, Sylvie de Souza, teme que, se o volume de pacientes continuar a aumentar ao ritmo atual, terá de começar a escolher entre pacientes. Para atenuar a ansiedade, Souza disse querer tornar ritual uma oração coletiva entre os trabalhadores de saúde do hospital de Brooklyn. Já o fizeram de mãos dadas, mas à devida distância. “É tudo o que podemos fazer: rezar, permanecer juntos, encorajar-nos uns aos outros, não ficar paralisados pelo medo”, disse ao New York Times.

Na China continental, epicentro original da epidemia, teme-se um novo surto provocado por casos importados. A partir de sexta-feira, a maior parte dos estrangeiros vão ser proibidos de entrar.