No final do dia – e cada um dos dias em que enfrentamos este novo vírus tem sido um desafio – a resposta europeia tem-se resumido, apenas, a um enquadramento por um aparelho tecnocrata, com preocupações essencialmente financeiras, e por políticos sem dimensão política ou humanista para o momento.
Esta é, essencialmente, uma questão de liderança. Cada Estado-membro tende a olhar para as suas necessidades próprias, para a sua base eleitoral, e não há quem veja o conjunto. A geração dos pais fundadores elevou-se perante a memória da guerra e com perceção de ameaças comuns. A atual geração de líderes europeus, essencialmente a mesma da última crise, não tem memória ou perceção das ameaças, mesmo perante uma pandemia que ataca todos sem exceção.
O combate à propagação do novo coronavírus e à COVID-19 tem sido feito pelos governos de cada um dos Estados-membro, de forma autónoma, assimétrica, a diferentes velocidades. Nesta Europa, o problema só é entendido como meu quando me afeta diretamente, e os meus recursos são utilizados para minimizar os efeitos da ameaça com que eu sou confrontado, independentemente do que acontece com o meu vizinho. Por isso, as notícias de apelos de países em crise profunda (Itália) que ficaram sem resposta europeia (mas tiveram-na da China) ou a proibição da exportação de material médico de proteção (pela Alemanha).
Nada disto é novo, já o vimos na resposta à crise de 2009 e, mais recentemente, na questão dos refugiados. Teimamos em ignorar a história e recusamos aprender as lições que as sucessivas crises nos dão, repetindo todos os mesmos passos que nos levaram a falhar no momento anterior.
Esta união criada para garantir a paz na Europa parece reduzir-se, tão só, ao mercado comum, que, mesmo assim, tem áreas muito pouco comuns, apesar da relevância que têm, como a área financeira.
A fragilidade das atuais lideranças e um aparelho tecnocrata que, sem dimensão ou vocação política, se refugiam em equilíbrios financeiros e nos balanços, mesmo perante uma crise profunda, que poderá desenvolver-se em diversas vertentes, com riscos cumulativos.
Enfrentamos uma grave ameaça de saúde pública, mas podemos antever já uma profunda crise económica, com a travagem brusca das relações comerciais a resultar numa recessão que está já assumida e que pode evoluir para uma depressão. Esta, a nível global, dependerá da extensão do confinamento nos diversos países, dos efeitos da disrupção das cadeias de abastecimento e de que passo de retoma os resultados do combate ao novo coronavírus e à COVID-19 permitirão.
Para a União Europeia, a pandemia é uma encruzilhada em que as opções são a repetição de receitas que sabemos não funcionaram ou o aproveitamento desta oportunidade para consolidar o projeto europeu, num quadro de cooperação e de partilha de risco, que terá de incluir, sem dúvida, a criação de Eurobonds como ferramenta, mas a tempo de ser útil e de permitir que a reconstrução se possa fazer com base em alicerces minimamente sólidos.
A forma como a União Europeia responde à emergência de saúde pública e enfrenta a crise económica vai, também, dizer-nos se teremos uma crise social e qual a sua profundidade. Falhar aqui é não cumprir a promessa de solidariedade, que é um dos pilares da fundação da União.
As respostas que forem dadas determinarão, também, se a conjugação destes movimentos não resultará numa crise política abrangente, com a consolidação dos extremos e o ressurgimento de todos os fantasmas que a Europa tenta esconder, o que equivale à morte do projeto europeu.
por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras