Em contextos de crise, uma semana é uma eternidade. Depois de ter repetido durante dias que queria reabrir o país na altura da Páscoa, nomeadamente a 12 de abril, contra todas as indicações dos especialistas de saúde, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu o braço a torcer pela força da ciência e das imagens dos cadáveres a serem transportados do hospital da sua comunidade natal, Queens, em Nova Iorque.
“Vejam-se os acidentes de viação, que são muito mais do que os números de que estamos a falar”, disse o ocupante da Casa Branca no dia 23 de março, referindo-se às vítimas do novo coronavírus. “Isso não significa que vamos dizer a toda a gente para deixar de conduzir carros”. Ou, como Trump havia dito no Twitter no mesmo dia: “Não podemos deixar que a cura seja pior que a doença”.
Quase uma semana depois, o tom do Presidente mudou drasticamente na conferência de imprensa do último domingo. E acabou por repetir 16 vezes (contagem do Washington Post) a negra estatística do pior cenário possível: a epidemia pode provocar até 2,2 milhões de mortes nos EUA se nada for feito e se os cidadãos não respeitarem as regras de distanciamento social, segundo os modelos de dados estudados pela líder da task force para o coronavírus, Leah Birx, e por Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças. E o melhor cenário? Até 200 mil mortes.
“Nada seria pior do que declarar vitória antes de a vitória estar ganha”, disse o chefe da Casa Branca. E as imagens vindas do Elmhurst Hospital, em Queens, onde cresceu, aparentam ter-lhe tocado no coração – instalações hospitalares que o Presidente disse conhecer muito bem.
“Tenho assistido às imagens”, confidenciou Trump, referindo-se ao Elmhurst Hospital. “São camiões frigoríficos porque não se consegue lidar com os cadáveres, são muitos. Isto é essencialmente a minha comunidade em Queens – Queens, Nova Iorque. Vi coisas que nunca tinha visto antes. Quer dizer, vi-as, mas vi-as pela televisão, em terras longínquas”. E acrescentou: “Estão a tirar cadáveres de lá, e olha-se para dentro e vê-se sacos pretos com corpos. Dizemos, ‘o que está lá dentro?’ É o Elmhurst Hospital, devem ser suprimentos. Não são suprimentos; são pessoas”. Com isto, ordenou a extensão das medidas de confinamento até ao final de abril.
“Vamos todos morrer um dia”
Mas no hemisfério sul, Jair Bolsonaro continua a ir contra todas as indicações. A reunião alegadamente tensa, no sábado, entre o Presidente do Brasil e o seu ministro da Saúde, segundo o jornal brasileiro Estadão, em que o último lhe perguntou se estava preparado para ver camiões do exército cheios de cadáveres e isto a ser transmitido em direto pela internet, não aparenta ter produzido os efeitos desejados. Bolsonaro saiu novamente à rua no domingo, em Brasília, alegando que o fez para conhecer as necessidades do povo. E voltou a pronunciar-se contra as medidas de confinamento mais alargadas – além de a sua presença ter provocado ajuntamentos de pessoas.
“Essa é uma realidade, o vírus ‘tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra. Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia”, disse, argumentando que o confinamento deve reduzir-se apenas aos mais idosos e que se devia prestar mais atenção à economia.