O decreto para renovar o estado de emergência que hoje será debatido no Parlamento abre a porta ao Governo para apertar as regras, aumenta a latitude para o confinamento compulsivo e permite ao Executivo, por exemplo, impor limitações aos despedimentos no setor privado. O prazo do novo período do estado de emergência prolonga-se até às 23h59 do dia 17 de abril de 2020.
O projeto de decreto inclui o crime de desobediência associado ao direito de resistência.
Na primeira versão, Marcelo propôs, no capítulo de direito de resistência, que se “fica impedido todo e qualquer ato de resistência ativa ou passiva exclusivamente dirigido às ordens legítimas emanadas pelas autoridades públicas competentes em execução do presente estado de emergência”. O articulado é igual, mas o Chefe de Estado acrescentou, agora, que os “autores, nos termos da lei” podem incorrer num crime de desobediência. O texto clarifica, assim, a suspensão do direito à resistência e respetivo enquadramento.
Neste novo decreto que hoje será votada no Parlamento, está previsto ainda o “adiamento ou prolongamento de períodos letivos, o ajustamento de métodos de avaliação e a suspensão ou recalendarização de provas de exame ou da abertura do ano letivo, bem como eventuais ajustes ao modelo de acesso ao ensino superior”, o que dá poderes ao Governo para mexer nos calendários escolares e afinar a estratégia para o terceiro período. Que arranca após as férias da Páscoa. O Governo decide o que fazer no dia 9 e já está a estudar soluções para a tele-escola na TDT.
Mas há mais novidades no projeto de decreto presidencial. Para a área económica, além de se manter a porta aberta à requisição civil, Marcelo dá poderes ao Governo para aprovar medidas que limitem os despedimentos, permitindo ainda ao Executivo adotar medidas no “controlo de preços e combate à especulação ou ao açambarcamento de determinados produtos ou materiais”. Isto é, Belém dá latitude ao Executivo para aplicar regras que podem ir até ao racionamento, caso seja necessário.
Marcelo também possibilita ao Governo avançar com soluções específicas para as prisões, através de “medidas excecionais e urgentes de proteção dos cidadãos privados de liberdade em execução de decisão condenatória”. Aliás, o primeiro-ministro já tinha revelado que estava a ser concertada com Marcelo Rebelo de Sousa a hipótese de indultos por razões humanitárias e eventuais alterações legislativas nas execuções de penas, com a submissão dos casos aos juízes. Hipóteses que estão a ser avaliadas e hoje conhecerão, em princípio, mais respostas com um novo conselho de ministros, após a deliberação da Assembleia da República. Na sua decisão, Marcelo acrescenta que é preciso prosseguir com medidas para os idosos. Por isso, o decreto também prevê a possibilidade de quem apoia a população mais vulnerável, mudar de local de trabalho. Está suspenso também o direito à greve nos serviços públicos essenciais. Já estava previsto para setores vitais para a economia e para a saúde. Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou mais uma área, a dos serviços públicos essenciais.
O Presidente da República recorda, no projeto de decreto, que é necessário renovar o estado de emergência para manter o nível de prevenção e não deitar tudo a perder. O esforço será “longo” e impõe-se a renovação da sua decisão num altura da Páscoa, “época tradicional de encontro de famílias e de circulação internacional”.
Marcelo não especifica maiores restrições à circulação, mas o primeiro-ministro já ensaiou o discurso, focado no período da Páscoa, pedindo aos emigrantes de forma clara: “Este ano não venham, fiquem. Além do mais, se vierem, não podem sair de casa”. E deu o conselho num programa de entretenimento, o Programa da Cristina, na SIC.
O tom estava lançado para as medidas que aí vêm e que parecem já ter sido testadas nas múltiplas ações de fiscalização nas estradas, autoestradas e pontes. “Vamos adotar medidas mais claras para que as pessoas percebam que no período da Páscoa não podem mesmo andar a circular e devem ficar na sua residência permanente. Acho que vamos ter de apertar um bocadinho, dando um sinal mais claro de que não é mesmo época para andarmos de um lado para o outro”, insistiu Costa, num registo que serviu para dizer a quem o via e ouvia de que o mês de abril será “ perigosíssimo”.
Mais tarde, no Palácio da Ajuda, Costa repetiu a ideia de reforço da contenção, porque abril “é o mês mais difícil”. De facto é, porque, na reunião com especialistas, no Infarmed, não ficou clara a data precisa do pico da pandemia.
Talvez, por isso, o primeiro-ministro tenha pedido aos portugueses mais paciência para manter o isolamento social: “Não vale a pena ter pressas. Este momento ainda não é o momento das pressas, ainda não é momento de vermos a luz ao fundo do túnel. Sabemos que no fundo do túnel há uma luz, mas ela ainda não está à vista”, advogou ontem, após a reunião de conselho ministros extraordinário que deu luz verde à prorrogação do estado de emergência, pedida pelo Presidente.