Não ignoro, também, que o modo como estamos a combater o flagelo é, na sua essência, uma forma de adiar os contágios para manter a resposta possível dos serviços de saúde.
A questão é, nua e crua, adequar os casos ao número de camas ou de ventiladores.
Diluindo os primeiros ao longo do tempo esperamos aguentar. De outro modo nada haveria a fazer.
Há várias projeções que todos os dias lemos com muita atenção e há leituras que oscilam entre o pessimismo e o otimismo. Portanto, mesmo neste domínio é preciso traçar a média.
E queremos acreditar nos números, nos nossos e nos dos outros.
Sendo fiáveis davam-nos uma leitura interessante.
O que acontece é que não podemos aceitar tudo senão como razoavelmente admissível.
Na imensidão da China, por exemplo, é credível ninguém falar do que acontece nas grandes cidades? Wuhan é a China? É imaginável acreditar que só se verificam algumas dezenas de casos novos importados?
Ou, regressando a Espanha, ou Itália, ou Inglaterra, que desconto damos aos casos que não são contados por critério ou defeito.
Corremos o risco de tentar comparar o incomparável.
Ora, Se há campo onde o rigor e a verdade se impõem mais do que tudo é exatamente na fiabilidade dos dados estatísticos.
É por isso que não é desculpável assistir ao que temos assistido, em Portugal: duplos lançamentos na contagem, ou incompreensíveis desfasamentos e dados contraditórios, ou alteração dos critérios.
Os números não são apenas a base da avaliação do êxito de um caminho, são a garantia do que aí pode vir com alguma certeza.
O desenho da famosa e essencial curva tem de corresponder à realidade.
O momento é o de nos preocuparmos com isto.
Mas, não podemos ignorar que estamos num tempo de vésperas.
Esta etapa é absolutamente necessária mas não responde ao problema
Quando diminuirmos os casos e ensaiarmos o inevitável regresso a uma vida tendencialmente normal, essa vida vai ter outras exigências.
Os hospitais têm de estar bem dotados de meios, os profissionais de saúde de proteção eficaz, os restantes trabalhadores e o povo em geral tem de estar preparados para viver e conviver com outras exigências.
Não é tolerável rever a improvisação dos dias passados.
Enquanto não existir vacina ou medicamento os casos não deixarão de surgir.
Pode a situação de quarentena generalizada repetir-se com esta intensidade?
É aqui que entram as considerações sobre a economia, sobre a capacidade do Estado, sobre a dimensão da pobreza e do desemprego, sobre as convulsões sociais.
Não, já não é apenas a dificuldade de contrariar os hábitos gregários.
Convinha, pois, desenhar o futuro próximo, prepará-lo, identificar com rigor os casos ou os estratos populacionais que devem ficar em confinamento, por exemplo.
E, principalmente, imaginar como, no caso português, somos capazes de ultrapassar o trauma de, com a imobilização da indústria turística, conseguirmos voltar a crescer, a tirar proveito do IVA, a beneficiar do emprego produzido, mesmo aquele que se reduzia à ilusão dos entregadores de comida, à multiplicação dos alojamentos, à construção epidémica de estabelecimentos hoteleiros.
Tendo assentado nisto o imediato do nosso crescimento, assim a casa vem abaixo.
Urge, portanto, inventar a salvação nacional.