De acordo com a revista Time, no final de março, 46 estados dos Estados Unidos fecharam as escolas. No estado de Nova Iorque, há escolas onde a implementação do ensino a distância está a ser acompanhada com a distribuição de iPads e com o contributo social das empresas de comunicação. O estado de Óregon ordenou que “se as escolas implementam ensino a distância, o mesmo tem de ser acessível para todos, incluindo os que não têm acesso à internet ou computadores e aqueles com necessidades de educação especial”. Num país onde cerca de 15% das famílias com crianças na escola têm falta de ligação de banda larga à internet, há estados cujas autoridades têm evitado ou mesmo terminado o ensino a distância no pressuposto que “se não é acessível para todas as crianças, nós não o podemos disponibilizar para algumas”.
Em Portugal, os estabelecimentos de ensino básico e secundário (público e privado) suspenderam as suas atividades presenciais no dia 16 de março. Os alunos foram mandados para casa. A prioridade durante as duas semanas, antes das férias da Páscoa, era estabelecer mecanismos não presenciais com os alunos. Alguns foram acompanhados a distância através de atividades assíncronas e síncronas por videoconferência. Outros ficaram fechados em casa desligados do mundo. Serão estes últimos os socioeconomicamente mais vulneráveis? Em Portugal cerca de 22% das famílias não têm ligação de banda larga à internet (PORDATA, 2019). Que estratégias usar com estes alunos? Temos que pensar nas famílias com apenas um computador e que tem de ser partilhado por todos.
Os professores de um dia para o outro passam de uma realidade de sala de aula para uma realidade virtual. Não esquecer que muitos professores podem ter cinco a seis turmas, compreendendo entre 150 a 180 alunos. Apesar de todos os condicionalismos, os professores não “baixam os braços” e optam por várias estratégias para manter contacto diário com todos os seus alunos, adaptam estratégias a novas realidades e elaboram novos recursos didáticos, o que refletem numa sobrecarga de trabalho extraordinária para todos. O professor sugere, o aluno questiona, nasce um compromisso – um aspeto essencial para o desenvolvimento de competências.
A situação da pandemia do coronavírus em que vivemos vai prolongar-se. O Ministério da Educação lançou Oito Princípios Orientadores e traça cenários de retorno à normalidade por quinzenas. As escolas devem promover um horário de contacto com as turmas onde se preveem momentos assíncronos e síncronos. Mas para os alunos sem acesso à internet, qual é a alternativa? O ministério aconselha as direções dos agrupamentos/escolas a encontrarem parceiros (juntas de freguesia, bibliotecas, etc.) para colaborar. Como operacionalizamos tendo em conta a situação que estamos a viver? Cada direção de agrupamento/escola vai desenvolver e implementar o seu Plano de Ensino a Distância tendo em conta a sua realidade, na certeza que vai fazer o melhor que pode. Mas será que consegue chegar a todos os alunos?
Neste momento a utopia é garantir a universalidade do acesso. Com todos os defeitos que possamos apontar, o ensino presencial distribui responsabilidades no acompanhamento dos alunos. Os professores auxiliam os pais/encarregados de educação na identificação das fragilidades das crianças. O modelo de telescola do séc. XX é inspiração, mas não é solução. O perigo de contágio condiciona a figura do monitor. O ensino a distância a partir de casa é confortável para alguns, mas é tecnologicamente inviável para uma parte da população. Temos de ter presente que as comunidades rurais ficam atrás das áreas urbanas, onde ainda há pessoas que não têm internet de banda larga.
O estado português tem a obrigação constitucional, embora condicionada pelo estado de emergência, de fazer todos os esforços para que todos os alunos tenham acesso às mesmas ferramentas. Temos de ter presente que as nossas crianças e jovens são humanos no meio de uma crise global, pelo que a digitalização do ensino não pode criar mais desigualdades.
O ensino a distância tem ainda desafios inerentes ao ensino obrigatório, que marginalizam os colocados no ensino superior. Como assegurar a preparação tecnológica dos alunos mais jovens (1.º e 2.º ciclos), o envolvimento dos mesmos nas aulas virtuais e a fiabilidade da ligação de forma a que os alunos não percam as aulas remotas? Como formar tecnologicamente professores, ao mesmo tempo que estes estão a ensinar os alunos? Como assegurar as situações onde os pais não se importam com a educação dos filhos? Isso vale tanto para as famílias mais pobres como para as mais abastadas.
Note-se que o ensino a distância não é uma novidade no nosso sistema educativo, pois é uma modalidade da oferta educativa direcionada para situações especificas (portaria 359/2019 de 8 de outubro). Contudo, agora o específico é global.
Portanto, fará sentido pensarmos num plano tecnológico que garanta Tecnologia Mínima Nacional (TMN) para todos os cidadãos? Fará sentido o fornecimento de um tablet com ligação à internet para cada aluno carenciado? Fará sentido investir algum tempo na formação tecnológica de todos os envolvidos? O governo deveria pensar seriamente nesta possibilidade.
Finalmente, o governo tem de ser ponderado no modelo educativo a propor, bem como na exigência do imediato, de modo a não criar uma outra dimensão de segregação social – os que têm tecnologia e os que não têm. Num curto espaço de tempo, em que o mesmo se mede em dias, dificilmente iremos conseguir transformar um modelo de ensino tradicional num modelo de ensino a distância, pelo que o modelo final desenhado pelas escolas, com orientações do governo, irá precisar de professores com espírito de missão. Estamos certos de que eles não faltarão. A par dos agentes de ação médica, neste momento de isolamento social das nossas crianças e jovens, serão os professores do ensino básico e secundário os próximos heróis nacionais?
por Elói Figueiredo, Professor Associado, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
E Nubélia Bravo, Professora do Ensino Básico (3.º ciclo) e Secundário, Agrupamento de Escolas Monte da Lua