Sinais positivos mas a pedir prudência – pensar em relaxar as medidas de contenção antes de tempo pode deitar tudo a perder e a mensagem foi reiterada ontem por Marcelo Rebelo de Sousa depois de ouvir os peritos que têm feito a modelação da pandemia no país. Segundo a Visão, os especialistas admitiram que o pico de infeções possa ter acontecido entre 16 e 17 de março. Se há sinais mais fortes nesse sentido, desde logo o dia com mais casos confirmados continuar a ser terça-feira da semana passada, 31 de março – o que, tendo em conta o tempo entre incubação do vírus, início de sintomas e demora no acesso a testes, atira o momento mais crítico de infeções para a semana em que foi decretado o estado de emergência –, os dados nacionais continuam a suscitar dúvidas a quem está no terreno.
Ricardo Mexia, presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Saúde Pública, diz que os relatos de dificuldades no acesso a testes e a falta de dados mais completos nos boletins da DGS, nomeadamente sobre o início de sintomas – informação que não está disponível para todos os casos e tem vindo a ter uma variação inesperada dado o conhecimento que existe sobre a doença –, tornam difícil tirar conclusões.
Apesar de os modelos e a curva de casos confirmados o sugerirem, o médico admite que neste momento coloca algumas reservas na análise sobre se o pico já poderá ou não ter sido ultrapassado e quando. “Temos muitas dúvidas em relação aos casos confirmados porque temos tido relatos de grande dificuldade em fazer os testes – há pessoas a quem estão a ser marcados testes para daqui a dez dias. Com testes daqui a dez dias é difícil, por um lado, que estes dados possam ser úteis para perceber a evolução da epidemia; por outro, se sequer vão dar positivo porque, se forem casos ligeiros, se calhar, nessa altura, as pessoas já não acusam o vírus”.
Ricardo Mexia diz que há indicadores que dão alguma segurança de que a pandemia estará mais controlada, como não estar a existir um aumento acentuado de internamentos e de doentes em cuidados intensivos. Ainda assim, apesar de Portugal já não estar numa trajetória de crescimento exponencial de covid-19, Ricardo Mexia adverte que é expetável que a mortalidade aumente nos próximos dias. “Sabemos que, geralmente, entre a confirmação dos casos e a existência de óbitos há uma diferença de 10 a 12 dias, pelo que, tendo havido um aumento dos casos confirmados na semana passada, é natural que isso venha a acontecer e temos de estar preparados”. Ontem, o número de mortes subiu para 345, mais 34 em 24 horas, a maior subida dos últimos dias. A taxa de letalidade da pandemia no país subiu para 2,8%.
Acesso a dados Médicos e investigadores têm solicitado à DGS que disponibilize mais dados e, ontem, a Ordem dos Médicos denunciou que, apesar de uma carta aberta ao Governo e de uma petição pública com mais de 5 mil assinaturas, e da garantia do primeiro-ministro, a 24 de março, que seriam disponibilizados dados anonimizados, continua a haver dificuldades no acesso a informação. No briefing diário da DGS, o subdiretor-geral da Saúde Diogo Cruz garantiu que está a ser feito um esforço nesse sentido em colaboração com a Fundação para a Ciência e Tecnologia. A posição da DGS foi também cautelosa perante os sinais positivos: “Temos visto algum alento pelos números, que estão mais baixos, mas queremos solicitar alguma prudência na interpretação. Estamos numa fase ainda de importante luta contra esta pandemia. Não sabemos o que será o dia de amanhã. Solicito a todos que mantenham as medidas que tivemos até agora. Pedimos a todos que não abrandem os esforços feitos até agora, porque todos desejamos que possamos sair o mais cedo possível da situação em que estamos”. Diogo Cruz salientou também que está a ser reforçado o número de testes. Esta segunda-feira, segundo os dados vertidos ontem no boletim da DGS, terão sido feitos 7998 testes no país, o número mais elevado até ao momento, depois de no dia anterior não terem ido além dos 6 mil. A baixa positividade, na casa dos 8,9%, sugere também uma boa cobertura e que não estão apenas a ser “apanhados” na rede os casos mais graves. Este tipo de indicadores têm, no entanto, sido inconstantes no país, o que contribui para as reservas, frisa Ricardo Mexia. O médico especialista em saúde pública diz que a perceção é de que a população tem estado a aderir cada vez mais às medidas de confinamento mas, com o passar dos dias, pode surgir algum “cansaço” e relaxar, o que, nesta fase, deve ser evitado ao máximo: “Vai ser um período complicado e esperamos que a Páscoa não traga surpresas”, diz.