A mudança tomou conta do quotidiano. Aumentam a quantidade, a intensidade e a extensão das mudanças. O inesperado e o espanto associam-se de modo recorrente face às novidades tecnológicas, económicas e sociais. A par de novas soluções para novos e velhos problemas, somos confrontados com a obsolescência dos modos e fórmulas com que fomos habituando a resolvê-los.
Vivemos num ambiente de múltiplas estupefações. Com o crescimento exponencial do conhecimento somos constantemente bombardeados por evoluções apresentadas como novas oportunidades, sendo exibidas, muitas vezes, como novas ameaças ao estilo, modo de vida e anseios dos cidadãos. Parece até que existem forças concertadas para estimularem o medo. O medo parece render tanto ou mais que a inovação.
Não é necessário grande esforço para nos darmos conta da multiplicidade das reflexões amedrontadoras, suportadas por constantes evocações de ameaças resultantes: da revolução científica e tecnológica; da evolução da inteligência artificial; da reorganização do sistema produtivo mundial; da nova divisão internacional do trabalho; da mutação do emprego e do trabalho; da economia do futuro (economia do conhecimento); das novas dinâmicas produtivas e comerciais; da reformatação da competitividade a nível mundial; da escassez de oferta de bens públicos e de bens de uso público; da tecnologização da sociedade; dos novos desafios energéticos e tecnológicos; do envelhecimento da população; das múltiplas hipóteses de desemprego e do esmagamento consequente da classe média; do descontrolo da evolução do mercado de capitais; etc.
A mudança gera sempre instabilidade, o problema é quando a utilização da mudança se faz exclusivamente para enfatizar o medo, aparecendo o desconhecido enquanto instrumento dissimulado de controlo político, económico, cultural e social.
Existem vários e diversificados grupos de pressão empenhados na difusão dos medos, bem como na promoção de todos os mecanismos que os suportam. Todos estes movimentos são invariavelmente implementados na expectativa de se alargarem os benefícios efetivos e esperados dos seus promotores, explorando especialmente, por vezes muito justamente, a falta de confiança na bondade e intenções dos líderes que evidenciam maior capacidade de intervenção na alteração da trajetória de evolução prospetivada.
Porém parece inegável a natureza obscura de múltiplas daquelas posturas, beneficiadoras, ainda, do facto de uma preocupante parcela de cidadãos entender ou assumir que as questões políticas são para os políticos, como estes entendem que as questões de justiça são da exclusiva esfera de intervenção dos tribunas e do poder judicial, omitindo ambos que tais questões são, em primeiro lugar e antes de tudo, questões de cidadania.
Sabemos onde chegámos, questionamo-nos para onde vamos. Não podemos deixar que o medo tome conta das nossas vidas. Para tanto é fundamental que nos tornemos em seres politicamente ativos, apostando no bem comum enquanto verdadeiro motor do progresso, do desenvolvimento, da equidade e da imprescindível solidariedade social.
Num ambiente de explosão do conhecimento, cada vez mais marcado pela multiplicação de especialistas, de ignorantes (incluindo a fora da área de especialidade) e de medos (especialmente férteis em ignorância), as esperanças e os temores não podem ser vistas como previsões. O medo para além de inibir a felicidade é também instrumento supremo de exercício de poder discricionário, a esperança, por seu turno, é um potente contributo para o contrariar, dando corpo à formatação dos caminhos do futuro. Combater o medo e fomentar a esperança, num quadro de ativa e consciente intervenção política individual e coletiva, é hoje tarefa nuclear para o progresso da sociedade e atitude imprescindível de cidadania.
Fernando Gonçalves
Economista