A ‘guetização’ dos idosos…

‘Guetizar’  os seniores poderá servir para distrair os incautos e condicionar Marcelo Rebelo de Sousa, com 71 anos feitos.

Temeu-se mais o efeito da ‘peste chinesa’ nas 49 prisões ativas do que nos 2 520 lares de idosos distribuídos pelo país, onde se confina uma população fragilizada. Portugal é o quarto país mais envelhecido da Europa. Em 2013, cerca de 20% dos residentes tinham mais de 65 anos. Hoje, serão mais. 

De acordo com o ‘Censos Sénior 2017’, mais de 45 mil idosos foram sinalizados por viverem sozinhos ou isolados, enquanto dados de 2016 revelam que cerca de 40% da população portuguesa com mais de 65 anos se encontra sozinha durante 8 horas ou mais por dia. Ou seja, quase um milhão de idosos está em situação de solidão ou isolamento. 

No registo das vítimas mortais com o covid-19, os idosos acolhidos em lares representavam um terço, segundo estatísticas oficiais. Mas a urgência política foi aliviar as prisões, libertando centenas de reclusos segundo critérios, no mínimo, discutíveis. 

Mais: a decisão foi tomada sem sequer haver pulseiras eletrónicas suficientes para todos os que ficaram em prisão domiciliária, alegadamente «porque não é compaginável com os meios técnicos e humanos ao dispor dos serviços prisionais no horizonte mais imediato». Um espanto. 

A ministra da Justiça tinha pressa, as esquerdas assinaram de cruz e votaram a favor, sem que se verificasse qualquer caso grave na comunidade prisional. 

Em contrapartida, os relatos dos dramas vividos nos lares, tanto por parte de idosos infetados como de pessoal, têm vindo a preencher largos espaços nos media. Em vão. A prioridade do Governo socialista foi aliviar as prisões. Vá lá saber-se porquê. 

É irónico, por isso, ouvir o primeiro-ministro admitir, em entrevista, que tenciona manter as restrições à circulação dos idosos acima dos 70 anos, supostamente para «proteção individual dos próprios». 

Ou seja, António Costa preconiza o ‘cativeiro’ obrigatório dos idosos por tempo indeterminado, até «quando houver uma vacina ou tratamento», embora rejeite a ideia da sua ‘guetização’. Em que ficamos?… 

Em vez de aconselhar, pedagogicamente, o grupo sénior a não se expor sem necessidade, o primeiro-ministro quer impor restrições consoante o grupo etário – e o Presidente não discorda –, o que já constitui uma insólita deriva em relação aos direitos individuais e constitucionais. 

É certo que a taxa de letalidade provocada pelo vírus é maior acima dos 70 anos, o que acontece, de resto, com outras patologias. Sucede que este segmento representava, em 2019, 15% da população portuguesa. A prevalecer tal entendimento, o Governo estará a empurrar para o isolamento perto de dois milhões de pessoas. Uma violência que porá em causa a qualidade da democracia. 

O primeiro-ministro surpreendeu pela positiva com a sua determinação e equilíbrio na fase aguda de combate ao vírus. Subitamente, ficou frenético.

É um facto que o vírus lhe estragou ‘a festa’ e fez sair-lhe ‘a fava’. E não, não somos a ‘Suécia do Sul’ – porque, embora achatada, a nossa curva ‘estacionou’ no planalto com muitas vítimas e infetados. E ainda a procissão vai no adro…

Quando Costa queria governar para a popularidade, reapareceu-lhe o fantasma da ‘austeridade’, em versão pior do que a de 2011. O FMI já previu que a economia portuguesa se contrairá 8% este ano e mesmo Centeno não foi mais otimista. 

Neste contexto depressivo, é natural que tenha ocorrido ao primeiro-ministro lançar ‘fogo à peça’ sobre a Holanda, depois do bem sucedido soundbite com o qual destratou o respetivo ministro das Finanças, Wopke Hoekstra, a seguir ao Conselho Europeu. 

Depois, noutra entrevista cirúrgica à Lusa, Costa foi mais longe e interrogou-se mesmo, visando a Holanda, sobre «se há alguém que queira ficar de fora» na União Europeia ou na Zona Euro, defendendo a «clarificação política da Europa». 

A mensagem não precisa de explicador. De uma cajadada, Costa tentou ‘matar dois coelhos’. Puxou o lustro à História e ‘falou grosso’ aos holandeses (sequelas da Guerra dos 80 anos…), por um lado, e prestou um grande favor a Ursula von der Leyen, a titubeante presidente da Comissão, que se encolheu quando deveria ter avançado perante a falta de auxílio aos parceiros europeus defenestrados pelo covid-19, por outro. 

A estratégia não é nova, vem nos manuais. Ao zurzir nos holandeses, Costa procurou ‘ficar bem no retrato’ entre os países ressentidos do Sul – e, na passada, aproveitou para avisar que «ficaria muito desiludido se só pudesse contar com BE e PCP nas vacas gordas». 

Vai ficar com certeza desiludido quando estiver sozinho à esquerda a ‘cozinhar’ a austeridade em doses reforçadas.
A quem achar que a austeridade é passado, basta referir a quebra de rendimentos de cerca de um milhão dos trabalhadores do setor privado em lay-off. Para eles, a austeridade já chegou, ao contrário do funcionalismo público, que não foi até agora beliscado nos salários nem no regime das 35 horas…

No meio desta crise sem precedentes, se falhar a solidariedade europeia – ou se esta não for além de ‘uns trocos’ –, Costa bem pode ‘esperar sentado’ pela solidariedade política do Bloco ou do PCP. 

Neste cenário, ‘guetizar’ os seniores poderá servir para distrair os incautos e condicionar Marcelo Rebelo de Sousa, com 71 anos feitos…