Li há dias um artigo de José Gil intitulado A Pandemia e o Capitalismo Numérico. Aconselho vivamente a sua leitura. Vi também, há poucos dias, num canal da RTP um documentário sobre a Amazon, o império do comércio digital, que constitui uma pequena antevisão prática do futuro referido por José Gil. Sim, a Amazon liquidará tantos hipermercados quantos pequenos comércios estes liquidaram. Quanto muito, haverá, para os mais básicos, alguns show-rooms. Os produtos chegarão a casa dos consumidores como, dantes, chegavam as cartas de correio.
A robotização e a Artificial Intelligence (AI) farão o mesmo nas indústrias. No futuro, o ‘cliente’ desenhará de modo personalizado o seu produto e diz quando o quer em casa. Os Amazons tratam do resto. O nosso filho, como ‘unidade de consumo’ autónoma, também desenhará os seus produtos e vai recebê-los diretamente no seu próprio quarto (de que só ele e a Amazon terão a chave digital). Alguns anos mais tarde, o mundo será tão diferente que a paisagem vai ser idêntica à do filme Matrix. Sim, parece que os sex-toys estão em alta, neste período de confinamento; afinal, são o futuro. Tal como hoje já não temos de olhar para o chão porque o Município assegura que não há pedras soltas no passeio, amanhã também não teremos de ‘trabalhar’, para viver, de olhar, de cheirar e de sentir; bastará que algum dispositivo digital – acionado por alguns algoritmos – ligado ao cérebro, crie um ‘novo mundo’ digito-cerebral. Já não será preciso casar e descasar, aturar filhos, nem sequer ter o incómodo de encontrar um ‘lar’ para os pais velhos. Não haverá velhos, nem novos, nem sexo, nem carinhos, nem afetos (porque não devemos ser afetados). Também ninguém se zangará com nada! ‘Flutuaremos’, vogaremos no sonho…
Eu, por mim, prefiro viver numa ilha que destinarão aos atrasados e bárbaros, como um jardim zoológico… Prefiro ter a cultura enciclopédica de um caçador-recoletor, que sabe de abelhas, pegadas, cheiros e tempestades; prefiro ainda comunicar com os meus irmãos humanos através dos olhos, do sorriso, da fala-falada, arranhar as pernas e os braços a subir uma árvore e fazer, lá em cima, uma casinha de folhas para brincar com(o) as crianças. Prefiro a companhia e o afeto de uma mulher, de um camarada de apanha de azeitonas, de um lobo-cão; ouvir e contemplar os pássaros e as aranhas a fazer a teia.
Prefiro que a minha comunidade de humanos se organize assim, sem chefes nem ‘Poder’, como antigamente:
Uma rede social para a produção, guarda a transformação de alimentos, da terra e do mar; Uma rede social para produzir, reparar e reutilizar vestuário e calçado; Uma rede social para fazer, reparar e reutilizar habitações, caminhos, fontes e reciclar resíduos; Uma rede social para fazer, manter e reutilizar mobiliário, equipamentos e utensílios domésticos; Uma rede social para fazer e manter meios de transporte e de comunicação, instrumentos de música, material de escrita, etc., e para o ensino e prática da música, canto, dança, literatura, etc. Uma rede social para ensinar a todos, Tudo sobre a vida (incluindo a preservação da saúde), o meio e a forma de serem compatíveis e mutuamente estimulantes; Uma rede social para lembrar a todos os vícios do passado, quando havia ‘chefes’, ‘senhores’, ‘donos’, sacanas, mentirosos, exploradores, antagonismos e guerras; Uma rede social para salvaguardar a nossa defesa e segurança em todas as circunstâncias necessárias: ameaças de fora (porque, de dentro, não haverá), desastres naturais, etc.
Bom, vocês vivam como quiserem. Eu, por mim, prefiro viver mais simplesmente, como Humano, na sequência dos longos anos de evolução da espécie, isto é, no Amor (aceitação do ‘diferente’), na Partilha (de esforços, dos bens de vida e do conhecimento), na Honestidade e Confiança e na Justiça.