Preparamo-nos para viver mais um aniversário da revolução de 25 de abril de 1974, mas com a particularidade de o fazermos num período de exceção, um tempo único, em que somos forçados pela pandemia de covid-19 a pormos a vida em suspenso, a suportarmos a imposição de limitações – como a de circulação ou de reunião –, que julgávamos fossem direitos absolutos, reconquistados faz amanhã 46 anos. Só que, isto mesmo deve lembrar-nos que o que comemoramos não é, apenas, um acontecimento na riquíssima História de Portugal, mas vai além disso, é a celebração da liberdade, que é condição de base para o tipo de sociedade que defendemos e em que queremos participar.
Assim, recomeço: preparamo-nos para viver mais um aniversário da revolução de 25 de abril de 1974, mas com a particularidade de o fazermos num período em que as democracias liberais estão sob pressão, em que assistimos a um aumento do autoritarismo no mundo, na Europa, mesmo à nossa porta, com o crescimento dos populismos e dos movimentos políticos extremistas.
Publicado este ano, o último relatório Liberdade no Mundo 2020, da autoria da Freedom House, considera que a democracia está a “ser atacada” em todo o mundo, com efeitos mais evidentes em países com regimes autoritários, mas também com consequências em países com um historial de defesa dos direitos, liberdades e garantias. Os retrocessos registados excederam os avanços, numa proporção de dois para um, fazendo com que 2019 tenha sido o 14º ano consecutivo “de deterioração da liberdade global”. Apenas 43% dos 195 países analisados foram classificados como livres, o que representa uma deterioração de três pontos percentuais, na última década.
Também publicado já este ano, o Democracy Index, produzido pela The Economist Unit Intelligence, mostra que a democracia retrocedeu, de novo, no ano passado, num processo de erosão que atirou o nível médio de classificação nos critérios definidos pela empresa do grupo do The Economist para o nível mínimo desde que o índice foi criado, em 2006. Apenas 22 países foram classificados como “democracias plenas”. Em comparação com o ano anterior, 68 países apresentaram piores resultados, enquanto foram só 65 os que registaram melhoria.
É por isto que os políticos, todos nós, não podemos deixar de comemorar o 25 de abril, por ser um símbolo de conquista da liberdade, numa altura em que a democracia está a ser ameaçada no ocidente, em que se acumulam os indícios de que o que foi conquistado nunca está garantido, mesmo que, quase cinco décadas depois, os direitos de que usufruímos nos pareçam óbvios e naturais.
Obviamente, quaisquer comemorações têm de cumprir as regras determinadas pelas autoridades de saúde e respeitadas as dificuldades do confinamento, quer seja pelos deputados na Assembleia da República, quer por cada um de nós, na situação em que nos encontrarmos. Não pode ser isso que está em causa. Não nos podemos embrenhar em discussões estéreis ou alinhar em querelas com pouca sensibilidade democrática, mas também não podemos pactuar com tacticismos partidários de aproveitamento conjuntural. Numa situação de exceção, de emergência de saúde pública, onde devemos saber que precisamos de acordos de base alargada para acelerarmos a saída das crises, a pandémica e a económica e social em que podemos cair, quem se aproveita destas pequenas questões não está presta serviço algum ao País.
Amanhã, celebramos a liberdade e recordamos a necessidade que temos de estar vigilantes e atentos, nunca a podemos dar por garantida, para que não exista risco de a voltarmos a perder.
As democracias não encerram para balanço, ou por tempo indeterminado e há alturas, como esta que vivemos, em que precisam de ser alimentadas.
por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras