No século I a.C. Vitrúvio firmou os objetivos para um projeto de arquitetura: utilidade, solidez e beleza. Ainda hoje, quando colocados perante o desafio de transformar um lugar, os arquitetos regem-se por estes três princípios, fazendo planos que, de cima para baixo, dão forma de um lugar.
A definição de um país não pode ser feita deste modo, de cima para baixo. Assenta em princípios lançados pela Constituição sobre os quais a sociedade se apoia para crescer organicamente, de baixo para cima, como uma planta trepadeira em permanente evolução, que só se considera terminada no dia em que se decreta a morte.
No dia 25 de Abril de 1974, Portugal iniciou um capítulo da sua longa história. Foi o dia em que se abriram as portas aos que estavam presos por delito de opinião. Foi o dia em que ruiu um sistema político cujo maior opositor, Humberto Delgado, foi assassinado pela PIDE. Mas para quem estava em África, foi o dia de fechar as luzes e a porta de casa e partir, deixando os bens de uma vida, depois de milhares de mortos tombados numa guerra perdida. Foi um dia de liberdade e de esperança para uns, e de apreensão e receio para outros.
Iniciou-se um processo. No primeiro ano, a força das ideias, aliada à coragem física de muitos, travou a ameaça de nos transformarmos num país comunista satélite da antiga União Soviética. Na segunda década, iniciámos o processo de integração europeia, garantindo verbas para a reconstrução das infraestruturas do país e duas décadas de paz e previsão de prosperidade. Na entrada do milénio, a incomportável subida da dívida pública, arrastada por uma crise financeira global, enterrou o país numa austeridade que sugou os sonhos a quem não conseguiu lugar, apesar de ter cumprido todas as obrigações letivas e cívicas. Hoje, na luta contra a pandemia, a solidariedade da União Europeia volta a surgir como a promessa capaz de nos distanciar de uma nova década de futuros suspensos.
As vozes de 1974 anunciavam uma sociedade livre, uma imprensa livre e independente do governo, liberdade da iniciativa privada, e um Estado construído da solidariedade contributiva para garantir, com transparência e equidade, o acesso de todos a iguais oportunidades. No entanto, a concretização deste projeto de sociedade livre era um processo evolutivo e orgânico, que, hoje, só pode continuar a crescer com a vontade e o vigilante escrutínio de todos, de baixo para cima.
Durante o estado de emergência a Assembleia da República não parou de fazer plenários, mas, em 2020, não celebra Abril. Não recebe as habituais sete centenas de convidados. Não faz desfiles. Não tocam bandas sinfónicas. No dia 25 de Abril de 2020, 46 deputados, um por cada ano de democracia, marcam uma presença simbólica da pluralidade política possibilitada.
Em 2020, Abril presta homenagem tanto aos que, em 1974, arriscaram a vida para iniciar um novo capítulo, como aos que, hoje, carregam os destinos do país na linha da frente do combate a um vírus invisível e mortal. Na saúde, nas forças de segurança, nas forças armadas, nas autarquias, nos bombeiros, nas reportagens de factos, nos transportes e abastecimento de bens essenciais, estão pessoas que arriscam a sua vida, e a dos seus, pela segurança de todos, possibilitando, com indómita coragem, que o país tenha futuro e prossiga o processo de permanente reinvenção para continuar a crescer, livre.