Nas últimas semanas, a covid-19 expôs a desumanidade com que são tratados alguns seres humanos que, pela sua condição, são mais frágeis e que, por estarem escondidos, foram esquecidos. Primeiro, os idosos confinados em lares e, mais recentemente, os requerentes de asilo alojados em Lisboa em condições desumanas.
Logo no início da crise que atravessamos, em Lisboa, na preparação das respostas aos riscos da epidemia, foram tomadas medidas relevantes para proteger e apoiar as pessoas sem-abrigo, adaptando pavilhões desportivos para as abrigar, proporcionando apoio médico e sanitário e fornecendo refeições.
Se os sem-abrigo, pela sua vulnerabilidade e pelo facto de estarem expostos aos olhos de todos, não poderiam ser ignorados, outros grupos vulneráveis, invisíveis na comunidade, foram esquecidos até que as notícias trouxeram a público o drama da contaminação. Assim sucedeu com os idosos em lares e com os requerentes de asilo.
As notícias sobre as condições em que estavam aqueles requerentes de asilo não podem deixar ninguém indiferente. Num ‘hostel’ alojavam-se quase 200 pessoas em 40 quartos, partilhando umas poucas casas de banho. Logo depois, foram noticiadas situações idênticas noutras pensões sobrelotadas, constituindo um verdadeiro ‘barril de pólvora’ sanitário e social.
Em Lisboa existem cerca de 1000 pessoas requerentes de asilo que aguardam durante meses por uma decisão das autoridades. O Estado português, com uma capacidade reduzida para os alojar temporariamente, financia instituições particulares para assegurarem o respetivo alojamento. Agora sabe-se em que condições…
Por outro lado, o Governo e a Câmara de Lisboa anunciaram, durante a crise dos refugiados, a disponibilidade para acolherem cerca de 5000 refugiados (500 em Lisboa). Foi uma atitude de humanidade que merece aplauso.
É gritante a contradição entre os propósitos de acolhimento anunciados e a realidade indigna como são tratados estes requerentes de asilo.
É chocante observar o lavar de mãos de todas as autoridades perante esta situação: a instituição responsável pela escolha dos alojamentos que não cuida das condições; o Governo que não assegura a adequada utilização do financiamento que presta; e a Câmara Municipal de Lisboa, com um pelouro dos ‘direitos sociais’ que recebe informação sobres estas situações, mas depois afirma que as desconhece, preferindo o palco da comunicação social para alijar responsabilidades e culpar outros em vez de contribuir para resolver os problemas.
A situação dos requerentes de asilo revelada pelas notícias merece indignação, reação e responsabilização. Não, não são portugueses – o que pode servir a alguns para menosprezar. Mas são Seres Humanos – e, por isso, merecedores de respeito – que procuram acolhimento e tratamento com o mínimo de dignidade que lhes foi negada na sua terra. De facto, estes requerentes de asilo não são pessoas como nós: sofreram fome, violência, risco da própria vida, em muitos casos viram a família ser morta ou violentada, perderam os meios de subsistência, a casa, a família, o chão e a dignidade.
Qual a dúvida sobre a nossa obrigação de ajudarmos e acolhermos, quando for caso disso, estes seres humanos, independentemente da raça, credo ou ideologia? Não pode haver “mas”! Essa é, aliás, uma medida da nossa própria dignidade – promovermos a dignidade do outro.