Começa a ficar claro que foi um erro confinar jovens e adultos saudáveis e não ter protegido a população envelhecida dos lares, normalmente gente pobre e solitária. A decisão de encerrar a economia foi tomada por burocratas com medo e no final, quem morreu foram maioritariamente pobres e velhos dos lares das Misericórdias… Estamos, portanto, antes de mais, perante um problema de justiça social.
Começa a ser claro que os ‘lockdowns’, na maioria dos lugares, não salva vidas (mas provocou mortos por outras doenças) e o que causou alarme foi a má gestão dos recursos por parte da China e de Itália e a incompetência espanhola e, pelo contrário, terá efeitos perversos na saúde mental e na economia de todos.
Começa a ficar claro que os mortos são muito inferiores – não existiu pandemia? – e que a decisão de fechar as economias foi um procedimento de governos com medo das suas opiniões públicas e sem suficiente suporte científico. Sabemos agora que os estudos alarmistas do Imperial College têm erros. Foi penoso ouvir, esta semana, um desacreditado Neil Ferguson a dizer que a demografia explica a intensidade da doença, para justificar o alarme que provocou com o seu estudo inicial.
Começa a ficar claro que todos os ‘decretos do Governo’ sobre a covid-19 são formalmente e alguns, também, materialmente inconstitucionais – para não discutir, desde já, as inconstitucionalidades do decreto presidencial (quem fiscaliza?) – e que as indemnizações a pagar serão colossais.
Ao sair deste erro colossal, que custará em média a perda de 4 a 10% do PIB (nuns países mais do que noutros), os governos precisam de uma narrativa de desconfinamento faseado, explorando ainda o medo de uma segunda vaga ou ‘pior que isso’, para que os milhões de desempregados não se revoltem e continuem a acreditar na boa decisão dos Estados.
Conseguida a narrativa, usando todos os instrumentos ideológicos – sobretudo, universidades, televisão e redes sociais – resta um problema de mercado nesta crise: a assimetria da saída, com países a capitalizarem fortemente as suas empresas (a Alemanha, por exemplo, terá uma queda no PIB no máximo de 4%, segundo a S&P, mas lançou um pacote com 15% do PIB), e outros a permitirem a destruição de valor sem capacidade de resposta (Portugal com uma queda previsível de 8,7% do PIB lançou medidas financeiras públicas que valem apenas de 1% do PIB).
Este é o ponto mais relevante a partir de agora na Europa; o resto, à medida da ‘aldeia’, é apenas discurso ideológico para Rebelo de Sousa ser reeleito e o António Costa continuar popular ou trabalho para juristas.
Mas há boas notícias entretanto: apesar da ‘mãe de todos os encerramentos’ estar a ter um efeito assimétrico nas economias da UE, a resposta política da Europa, surpreendentemente, já superou todos os esforços para mitigar as crises anteriores, falando-se de um pacote correspondente a cerca de 15% do PIB da EU – qualquer coisa como 2 triliões de euros – para responder à crise económica pós-covid-19 e relançar a Europa, dentro dos objetivos estratégicos traçados pela Comissão Europeia (Pacto Ecológico Europeu, Transição Digital, Reindustrialização e Transparência).
A questão prende-se com o próprio mandato da Comissão Europeia na defesa dos Tratados e em matéria da exclusiva competência da UE: a concorrência no Mercado Interno. E desta vez, parece não haver discussão jurídica, nem perderemos sete anos para aprovar um Plano Juncker qualquer.
A pretexto da covid-19 estamos a assistir à suspensão das regras de equilíbrio orçamental, com ‘ajudas de Estado’, legitimadas pela exceção, nos países que têm capacidade de endividamento (como a Alemanha) ou onde os bancos centrais deixaram de ser independentes (caso dos EUA, Reino Unido, Japão), colocando fora do mercado todos os outros.
É verdade que Portugal e a Itália emitiram recentemente e os preços foram muito moderados. A procura ultrapassou largamente a oferta, mostrado que, em 2020, a fragmentação dos mercados não se verifica e sobretudo, que os mercados aprovam os apoios estatais às economias.
Está criada, portanto, uma oportunidade: em período de exceção, pode a Comissão emitir títulos perpétuos e depois, nas mesmas condições, emprestar e/ou subsidiar Estados-membros, eventualmente – proponho – com um adicional de 0,5 % para ajudas ao desenvolvimento, sobretudo, de África.
A ideia espanhola cumpre todos os critérios dos Tratados e até as exigências dos ‘frugais’. É uma maneira fácil, rápida e de baixo custo de financiar um Fundo Europeu de Recuperação de 2 triliões que, considerando a magnitude do desafio da agenda de von der Leyen, deveria ir mesmo até aos 2,7 triliões para igualar os EUA. Os saldos orçamentais primários melhorariam e os níveis de dívida em relação ao PIB diminuiriam na maioria dos países europeus.
Os mercados, sobretudo seguradoras e fundos de pensões, gostarão certamente de dívidas perpétuas garantidas pela EU.
Aproveitará a Europa esta oportunidade?
Rui Teixeira Santos . Professor universitário